Bastante cedo

Bastante cedo
 
Por Ana Paula Arendt*

Havia um homem pela manhã
 
conversando com o seu bebê.
 
Eu caminhava cedo pelo meu tempo,
 
enquanto o sol ainda se faz inclinado
 
e os pequenos arbustos têm enormes sombras,
 
quando há cheiro de orvalho fresco
 
que espalhamos em nossos frascos…
 
Quando vi um homem muito jovem
 
sentado pela manhã em um banco no jardim
 
conversando com o seu bebê em um carrinho.

Ele não queria fazer seu pequenino
 
assimilar qualquer ideia ou prática,
 
nem o seu tipo de linguagem.
 
Não queria fazê-lo repetir palavras
 
para aprender o necessário jeito na vida.


 
Não traduzia a si mesmo como
 
os donos se dirigem aos seus cães
 
ou aos seres humanos de menor inteligência,
 
elogiando os seus feitios com uma voz lânguida.

Não admoestava o bebê por haver feito algo
 
que escapava à ordem correta que
 
ele deu ao mundo,
 
nem se distraía com
 
outras coisas e pessoas ao seu redor,
 
dizendo ao bebê que ele é menos interessante.

Não dizia algo que tirava de si mesmo
 
nem jogava tudo abruptamente à face
 
de uma criança que ele mal percebesse;
 
nem parecia preocupado com as fraldas,
 
com o sol ou com a alimentação do seu filho.
 
Não imitava vozes nem dizia
 
palavras incompreensíveis.

Não.
 
O homem estava conversando cedinho com o seu bebê.
 
Estavam realmente interessados um no outro.
 
Estavam fazendo companhia um ao outro.
 
O que estavam conversando?
 
Os dois me viram passar com o meu nobre cãozinho
 
mas não trataram disso, de tudo que vai e vem.
 
Perceberam a nossa presença e depois de uma pausa
 
continuaram conversando um com o outro.

Nunca tinha visto um homem
 
conversando com o seu bebê
 
além de mim, e também de meu pai
 
nos raros momentos que
 
de presente nos dá a vida.

Familiares achavam algo inesperado
 
que eu conversasse com meus filhos,
 
sendo eles apenas bebês muito pequenos.
 
Ignoravam como aprenderam a
 
falar tão rápido e corretamente:
 
diziam a inteligência humana algo genético…
 
Há quem considere conversar
 
seja algo do domínio da inteligência
 
e não um dom de humanidade…

Na minha jornada em que segui fui pensando
 
o que esse bebê terá sobre os seus ombros:
 
a compreensão de um mundo incessante,
 
as feridas que fazem os homens,
 
a civilização que lhe fará deslumbre,
 
as descobertas do que não sabia.

Ou será que tudo o que vi
 
foi uma bolha de sabão gigante da qual
 
o homem e o seu bebê já se esqueceram?
 
Algo que parece impossível e brilhante
 
tem no caos tão curta jornada…

Os ilustrados de cabelos brancos
 
e de rostos bastante expressivos
 
me cumprimentam ao longo do caminho
 
lembrando estou com um poema.

Estavam encafifados que domingo tão cedo
 
já sou ser humano igual a eles,
 
deliciada em descobrir o dia
 
e sair andando pelas coisas.


 
Digo a eles que é muito cedo
 
para me achar assim tão jovem.

Certamente que um dia e talvez hoje
 
eles também foram esse bebê
 
que é a perene duração do mundo...

* Ana Paula Arendt é cientista política, poeta e diplomata.

Imagens: Newborn Photographer Seattle — Elena S Blair Photography; e Gabriel Jesus com filha. © Reprodução, Instagram/ #dejesusoficial

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