Bom Jesus da Lapa

Bom Jesus da Lapa

por Ana Paula Arendt

Disseste-me com teus dedos de calos
 
E olhos salgados de lágrimas,
 
A aspereza de teu mundo,
 
Ter apanhado do filho.

Tendo vindo de
 
Bom Jesus da Lapa, da Bahia
 
Até Brasília
 
Visitar o teu único filho.

Disseste-me ter sido expulso
 
Da casa que construiu para ele,
 
Choraste copiosamente
 
Diante do Sagrado Coração e
 
Da Senhora das Mercês.

Disseste-me ter sido diagnosticado
 
Com câncer, e não ter meios
 
Nem para um tratamento,
 
Nem para retornar à tua cidade,
 
Bom Jesus da Lapa,
 
Para cuidar da tua mãe de 90 anos.

Eu ouvi tua mãezinha falando
 
Na nuvem daquele dia.
 
Ela de fato estava preocupada.

Disseste-me ela havia feito uma oração por ti
 
Naquele dia da maior aspereza de tua vida.


 
O teu filho te bateu!
 
Na nuvem daquele dia
 
Ela me confirmou o feito.

O padre, ocupado com gente,
 
Deixou o telefone.

Mas quando te dei mais do que necessitavas,
 
E ainda livros de criança,
 
Para leres para crianças
 
E o lugar onde há poemas
 
e santinhos
 
e remédios para corpo e alma
 
e um terço para orares no ônibus

e o fórum da lei que obriga

os filhos a cuidarem dos pais,
 
Não cessaste o choro:
 
Choraste mais ainda.

Eu te disse que isso não podia,
 
Eu ali justamente para curar teu sofrimento!
 
Do contrário de que valeria o gesto,
 
Piorei a tua situação?

E riste, foi um glorioso abraço.
 
E te jogaste no meu ombro,
 
Descansaste profundamente por um segundo.
 
E disseste com todas as tuas forças
 
Que jamais perdeste a fé em Deus,
 
De que ao final, o bem sempre vence.


 
Que estavas então feliz.

Agora me cobras o poema
 
Porque tens fé e sabe que não esqueci
 
De que disse eu escreveria para teu filho
 
Um poema no lugar onde há poemas.


 
O filho que não enxerga as tuas lágrimas.
 
Ele chora em mim, e se lembra do mal que fez,
 
A Deus, a si próprio, à sua família e
 
A um pai dedicado e doente, agora.
 
O bem se esconde em seu peito,
 
Arrependido de mentir a si mesmo e ao mundo:
 
De ter batido em seu próprio Pai,
 
De ter violado a própria consciência,
 
De não querer palavras amigas e maduras.


 
Ah, o amargor toma o corpo
 
E o fecha a um dia ensolarado.
 
Mas está escondida em seu peito,
 
A amizade dos cantos tristes
 
Onde se castiga a alma.


 
Algum dia brotará dessa terra humana
 
O desejo de um mundo mais humano,
 
E dará frutos copiosos como teu choro,
 
Em árvores floridas.


 
Ora por nós , Bom Jesus da Lapa!
 
Pois jamais esqueço de tua visita.

A. P. Arendt. Canarinhos e andorinhas.

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