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Amor de solidão



Do livro Sonetos de Verdadeiro Afeto, a ser publicado futuramente, segue uma seleção de vinte poemas de puro sentimento e devoção a quem falte afeto. Boa leitura!

Soneto I

Amigo que me fez te ver tão falho Ah, comigo sei que o vento te trouxe Para após três tristes cantares de galo Soprarem os muguetes de aroma doce.

Perigo diante do qual ainda me calo Fiz de ti troça de tudo que fosse Vergas cruzei, contudo na posse Deste cais em que esgarçada encalho.

Amigo, que ergue nos olhos cálice Solidão contou que testes houve; Teu perdão posso buscar tranquila.

Pois da virtude brotou, agora sabe-se Um carinho teu que à distância ouve e Transborda de veia em meu peito a vasilha.

Soneto II

Quando chegou a noite calada e vazia Me envolveu serena teu jeito verdadeiro Pois amor maior não há que tecer meu dia Esgotando bons sonhos ao pé do travesseiro.

Sim, a noite era urina, fel e nuvem Que a brisa amainava com o véu do desterro Mas de manhã resgataste cada um de meus erros Rasgando com beijos o gosto de ferrugem.

Na vida é mais sensato o gesto de dar-se E melhor ainda é ter de quem receba zelo Embora se apaguem na areia os dias seguintes.

Portanto digo: mais vale a dois enganar-se. De modo igual e sofrido são os apelos De quem, sozinho, não viveu do amor requintes.

Soneto III

Em meu peito, palavras. Mas palavras não resolvem a vida O poeta revolve, produz coisas claras E assim posterga inflamadas as feridas.

Mas curam o sangue e limpam a alma Nos contam quais tempos serão amanhã Não que esteja preparada, sadia e sã Para gozar as graças de uma maré calma.

Mas quem estará vivo para ser perfeito? Quem suportaria na carne, na espiral e no espírito A realização nítida dos formosos desejos?

Apenas inacabados caminhamos direito E a cada passo nos inveja o pobre Sísifo Por flores singulares e venturosos lampejos.

Soneto IV

Um certo pudor desvia-me o olhar de tua face, Enleado te vê em ares de espaço imenso Teu reto vigor enseja serenatas de classe, Que só o poema sabe cantar propenso.

Tudo muda e se desloca, quando movida te fito O acanhado ambiente brilha qual fosse um palácio Até mesmo as nascentes sussurram a flor do lácio Se pondero algo que possa explicar este infinito.

É o semblante verdadeiro, o modesto e o bendito Corpo de tua voz, que me enleva ao prazer derradeiro De pensar teus gestos para além desta humilde arte.

E de tão contido em si, me dói teu brio aflito. Em me doando a ti por inteiro, receio Faça um vexame ridículo de minha parte.

Soneto V

Ai de mim, Amor, não posso amar-te Não serás meu companheiro em cada momento É preciso mesmo orando recusar-te Para encontrar um esposo que me traga alento.

Sai de mim, Amor, teus olhos que veem por dentro Se fechem e também teu vulto em meus olhos, Encerrem tuas tentativas de fazer-me monopólio, Amor, não sou tua, nada além de um pensamento.

Mas os lábios beijam, teu cheiro é fragrância Pela graça com que te moves dono absoluto De teu destino destro a ter lugar no mundo.

Mas tuas mãos se revestem de importância O som eloquente delas respiga e escuto Trépidas de esvaziar âmagos em teu fundo.

Soneto VI

Amo como se amor já fosse, Mesmo que ainda não seja Amo nos momentos doces E nos tempos de maior tristeza.

Dele tenho muitas saudades, Do tempo que irei viver ainda Mas sempre amanhã finda Tão longe da sua realidade.

Ao menos tivesse coragem! De ter menor dose de estrela, Dissesse de si o que for...

Ao menos fosse a viagem Um modo apenas de vê-la E no fim estivesse o amor.

Soneto VIII

Eu amo este amor que é eterna busca,

Inacessível, o que eu tenha de encontrar

Este brilho sensível que jamais ofusca,

Calor recordando a linfa de meu lar.

E se me apareces de repente, e me assustas

Não fiques tenso com minha feição indígena

Estou habituada a transitar invisível, alienígena

E não a ser caça, nem ter causas mais justas.

Deixe-me provocá-lo, mas não me faças correr!

Fique bem parado, diga algo sem tem a dizer

Mas também não pareça tão, tão indiferente

A ponto de mostrar que outras ficarão descontentes...

Amigo, deixe-me checar sua alegria e segurança

E se for retribuir, beije-me apenas, como uma criança.


Soneto IX

O sonho é o mestre do tempo, E seu princípio contém o fim Ele cura e sucede por dentro O epicentro que faz em mim.

Amor, nada disso eu pensava ou queria, O sofrimento das punições desavisadas Que ensinam que triunfo no fundo é nada Pois tão feliz já tudo em nós cabia...

E triste ensinada, lamento o cisma e o sismo As expectativas criadas pra te fazer pena, Pra esquecer que à sirte o poder não resiste.

Há tempo! O sonho é a sorte da sisa e do siso Eis aqui um verso, não é muito, mas é um poema Da pena de quem foi, tristemente, mais triste.

Soneto X

Sejamos servos dos servos,

E encontremos, nós dois, assim

A palavra instantânea do Verbo,

Do sentimento que não tem fim.

Serviçal e sirventesca, faço a minha morada

Não porque por ti tenha máximo apreço;

Apenas porque só enxergo novos começos,

De um mundo inteiro estou enamorada!

Não da lágrima que está por vir,

Nem do silêncio sem voz nenhuma

Ou da espada de vingar porvir passado.

Mas do temporal que deixou de cair,

Da mão hábil que monda e arruma

Sinais e sílabas que saciam os lados.

Soneto XI

As coisas, paradas e vivas, têm a importância Que atribuímos na lida a cada uma delas Se vejo, portanto, o teu ego manso à distância Que ânimo tiro para dizer coisas belas!

Em ermo planalto de automáticas nuvens Tens elmo vestido de insípidas pantomimas Teu esmo no ar diz versos sem rimas para Um sesgo olhar sobre mundos inânimes.

Assim, sem ser movida por paixão alguma Posso dizer com muito mais certeza Que voz estridente em ti não pertence

Sobretudo bem sabes que sou apenas uma Mulher em busca de um homem por natureza Inclinado a pensar no que ele próprio pense.

Soneto XII

E segue o mundo então dando importância Apenas, no fundo, ao que lhe dá razão Pôntica lua sobre o povo à distância Revela o que é sua cessada opinião...

Pois nos custa tanto saber o que nos fala, Em contramão arredia a tudo que nos toca Com medo que diga a lua o que nos choca De face no chão frio, duro, ao cortar alas.

Por isso só sonho, reflito e te amo. Ao poeta a Verdade é franqueada, Criada de um som puro ao relento.

Enxergo a trave nos olhos dos anos, Ser pra si abre a porta para o nada Se passo fé por fora e dor por dentro.

Soneto XIII

Nem sempre eu vou terminar o dia contigo Embora eu nos perscrute anso por anso A primeira estrela surgirá, seremos amigos Companheira na noite, nos dirá, sede mansos.

Ausência. É uma letra que falta na palavra É um passo que falta no caminho É o céu que o piloto contempla sozinho, E na longa estrada adiante, lavra.

Por que me distancio no escuro? Por que tenho de ir aonde não estás? Se os pássaros voam juntos sobre os muros,

Por um vento que em estações voltará... Mas a flauta por dentro bendisse o amor sagrado Canção eterna feita à falta de estar ao teu lado.

Soneto XVIII

Amor, como eu quero teu cheiro!

Esta flor que sozinha desabrocha

Vétiver amanteigado o ano inteiro,

Raiz sorvida manando pela rocha.

Ah, mas a vida me passa tão ligeira

E o tempo que eu tive não me serviu

Para limpar nos campos de fé servil

A comodidade de brotar passageira.

Arranca-me da barra de outros pés

E planta-te ao lado de quem te adora

Amor, ali onde teremos várias horas

Para queimar no peito e arder na face, até

Conseguirmos dominar olhares de um ao outro

Quando um pouco será tudo e tudo, muito pouco.


Soneto XVII

Calado e inútil segue o amor ranzinza claro, E não chega ao rosa ante se pôr a vida, Dói sem pretexto esta porosa ferida, Carnaval traído por quarta de cinzas, raro.

Rarefeito busca no ar uma linda língua, Que diga gestos de lenda para ser vivo No peito contudo se exila em abrigo Satisfeito em curar-se à mágoa, à míngua...

Sem linhas contínuas nem pontilhadas, Amor inverossímil, jamais ouço de ti nada Silêncio breve que alonga e esperdiça

Os tempos, as varandas e as premissas De universo seco em que há solo de pranto Guardando a estação, sedenta de teu canto.

Soneto XVIII

Frente à luz de uma vela balouçante Entoei a anjo de guarda a velha prece E assim, como atina quem se esquece Recordei teu amor calado de si diante.

De quando me disseste tão irrelevantes Promessas e propostas de momento Para perecer tudo que desencante Calculaste muito, menos meu sofrimento.

Como quem livre ainda não se desata De esperança que ao fim a sorte dure E mesmo em face da morte me procure

Teu semblante alinhavado em voz sensata Sigo amante de uma ideia que te recito: Sendo celeste, cumpra-se em vida do amor o mito.

Soneto XIX

Eu te amo com a doçura de uma fava Aberta oferecendo em ventre os frutos Do que estará, poderá estar e estava Pronta para crescer em alguns minutos.

Meu amor todo em si já guarda A visão da raiz, do caule e da folha E se esgueirando sem fazer escolha Sabe ao certo o que à frente o esguarda.

Ao sentir teus pés pisarem em novo solo Eu saberei teu rosto, teus braços, teu peito Pois atenta ganhei muito antes os olhos

Com que possa contemplar tua voz, teu jeito... Amor, ao menos eu visse em tua forte face O mesmo tanto de amor que me desejasses!

Soneto XX

Perversidade assola a fé do mundo Idolatrando fórmulas e falas rasas Usando o amor que se deu profundo Pra evitar o serviço e dividir a paga.

Mas nada escapa ao ver do amor divino Cipreste olha ao longe em toda a paisagem Sabe que ao fim apenas celebra a viagem Quem provou o aroma de seu porte fino.

Amor, tu que respeitaste tão simples pleito Bem sabes que na terra Ninguém é perfeito Mas aqui bem paga pelo mal que não se faz

Por isso agradeço, por deixar-me viver em paz, E os ricos, escravos do que julgam ser riqueza. Amor! Para mim basta tua longa, infinita beleza.

Soneto XXI

Ponte levadiça de meu peito, O amor já não mais segue por um rastro de ciúme Já não diz a poesia tudo direito, Nem seu lastro fica aceso ao aceno de pavio de um lume.

Nenhum outro entra neste abandonado castelo As praias secaram, no leito do rio não corre a água Que fundia o céu e a terra, charneiras de tua vida árdua Largueando na terra fértil os botões de dias belos.

Caminho sob a tênue chuva, que teus olhos fizeram cair Ao ler alguns destes espólios de chaga a se redimir E antes a boca bendirá a sede, o corpo exultará feridas

Se é teu desejo, Amor, não me apontar as saídas Para encontrar a origem das dores, a relíquia perdida no sótão O relógio das minhas flores, tuas mãos que os amores dobram.

Soneto XXII

Se ri quem não conhece do amor o abate

A lágrima que escorre, seca e acompanha

Os dedos que mal escrevem, da pobre vate

Ledos de morte em face à saudade tamanha.

Mas sofre sem saber, quem jamais tentou ver dita

A verdade oculta em umas simples palavras

Descartando mui pronto apaixonadas escravas

Que inda te esperam, para escreverem infinitas.

Ai, Amor, as pessoas já não se declaram, silenciam

Sentença de tua desimportância, mui bem a despeito

Da falta que fazes queimar no meio daquele peito

De meu amado que se pensa pobre, perdido e só

Dize a ele, que se bem todos voltaremos ao pó

As palavras acendem amores que as dores adiam.

Soneto XXIII

De manhã, meu Amor, o que te desperta e te arde?

E quero saber, quem lhe cuida em preparar a ceia.

Estará lendo os pressentimentos que escrevo à tarde,

As linhas coevas de meus clichês estarão cheias?

Do amor não sou mestra, é preciso que eu anseie

E em menos sabendo, queira ser ainda mais aprendiz

A entender em que milésimos de segundos o fiz

De tal modo a te amar mesmo que tu me odeies.

Quando o belo e o mau dão em empate,

E tudo concorre para seu contentamento

Perdoa o amor todo e qualquer ressentimento

De algo que lhe diminua ou questione o quilate.

Até que o sangue escorra, sem nenhum debate

Da razão pela qual sofre meu coração por dentro.

Soneto XXIV

Muito melhor que ser amada é ser amável Só as tolas exigem o velho nariz de cera Para esboçar uma verdade insofismável Se listam na curiosa honra de ser primeira.

A ti reservo, meu Anjo, tudo que passa De modo que muito mais além se venha Como as ondas repetem no mar resenha Da prova incansável de sua bela graça.

De ti não espero dar ares em minha praça Nem promessas de encontros às ligeiras Anjo, digo que meu amor é puro espaço

Em que viajes sereno contemplando as beiras Das quais se cair, será sobre meu regaço Onde enleio cabelos, e a mágoa passa.



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