Novas Orações - Pastorinha, Livro VI
- Ana Paula Arendt
- 25 de set. de 2023
- 10 min de leitura

Compartilho com os leitores novas orações em poemas, parte da obra Pastorinha – Salmos para meus Filhos, Livro VI. Trata-se de uma sequência laboriosa de sete volumes com setenta e sete orações, cada.
Boa leitura!
A. P. Arendt .
Salmo 1 - Livro VI
É tão escancarado o ódio,
é tão desavergonhada a maledicência,
é tão espalhada a falta de ciência,
é tão mal disfarçado o mau ócio…
A má vontade, a ganância, a incoerência…
O egoísmo, o desrespeito, a violência.
Que parece o mundo jamais terá Cristo
e o povo jamais alcançará bênçãos de Deus.
Parece inútil que Maria tenha o bem quisto
a todos os homens, e não apenas os seus.
No entanto abrimos a vida de Cristo,
no entanto abrimos a vida dos Santos.
No entanto o amor se faz visto:
souberam a razão de meu pranto.
Ó, mundo perfeito.
Ó, criação inefável.
Sofro tanto e não entendo direito
como tudo se tornou admirável.
Que Deus continue criando
na imagem em que se fez por semelhança
as aves que voam juntas em bando,
as árvores com que o vento dança…
A fé, a caridade e a esperança,
as flores não plantadas brotando…
A alegria de brincar com as crianças.
O amor, de estar cansado, não se cansa.
Salmo 2 – Livro VI
Dê a volta, Satanás
que aqui, para tua cobiça, não há espaço
Não cabem nisto teus demônios e palhaços:
Deus ocupou todos os lugares e maços.
Faça o retorno, Satanás! Leve as maldades!
A vaidade e a malícia que tu destilas
contra quem sofre muitos males com piedade
é a bebida de danação que te aniquila.
Vade retrum, Satanás,
os teus discursos falsos, de nobre realeza
com que recrutas o povo, que em teu nome reza
são para destruir o que de bom o homem faz.
A violência não cumpre suas promessas jamais.
Vá pro inferno, Satanás,
vá viver no teu sujo, fedido inferno
com os demônios antigos e os mais modernos
que criaste para ganhar em cima das desgraças.
Cristo ressuscitou, venceu e não passa.
A verdade é que és feio: o pior de tua raça.
Vá-te embora. E não voltes mais!
Vá viver entre os ossos, as conexões de animais
que não pensam, não sonham, não sentem
feitos de pedra ou de plástico: tanto mentem.
Vá-te embora, Satanás
Para o buraco de todos os abismos
Fique lá, reivindicando os teus ideologismos
que fazes questão de contraditar ainda mais.
Vá-te embora, Satanás!
Se tenho de ti piedade ou pena?
Tenho para ti só rechaço em poema
Ser perverso! Corruptor das almas…
A imoralidade leva também, que isso te acalma.
A escuridão que dizias inevitável e eterna
Já se foi com o dia e com a mínima lanterna.
O teu orgulho só censura, constrange e consterna.
Corre, corre… És covarde!
Tu te vais e já vais tarde!
Não quero teu dinheiro, poder, nem prestígio: isso encarde.
Teus vícios leve todos também: contigo os guarde.
Viva Cristo, viva Maria, viva os Santos!
Os que por amor e alegria souberam meus prantos.
Epistílios do meu jardim, do paraíso onde eu canto.

Imagem: O juízo final, por Beato Fra Angelico.
Salmo 3 – Livro VI
Obrigada, Senhor,
pois salvaste minha vida inúmeras vezes.
De acidentes na estrada escura e dos revezes
com que os bandidos quiseram sustar minha alma.
Obrigada, Senhor,
pois salvaste minha vida inúmeras vezes.
Obrigada, Senhor,
porque não me abandonaste na incúria,
quando a violência mais cruel e espúria
riu e discursou vil, na serpente maliciosa.
Obrigada, Senhor,
porque não me abandonaste na incúria.
Obrigada Senhor,
pois também me visitaste quando estive triste
e a lágrima buscando o que não mais existe
fez arder ao longe a tempestade implacável.
Obrigada Senhor,
pois também me visitaste quando estive triste.
Obrigada, Senhor,
porque me trouxeste os dias seguintes
os dias em que o prêmio fez valer tudo a pena.
Dias em que Amor me faz surpresas em novas cenas.
Obrigada, Senhor,
porque nos trouxeste os dias eternos e seguintes.

Imagem: Cristo seráfico, por Manuel de Brito em 1726,
Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Rio de Janeiro.
Salmo 4 - Livro IV
Livra-me, Senhor, do pecado mortal:
de contemplar na eternidade um crime.
Em pensamentos ou palavras, haja o sal
de combater as sugestões de quem me oprime.
Acusação ou injustiça no céu não incomoda:
tudo concorre para o bem dos que amam o amor.*
Mas errar concedendo, desde posição cômoda
a desgraça contra a vida de quem me causa dor
é o pior pesadelo! Quando o mal não se poda.
A quem considera coisa muito difícil e rara
a circustância de trair ou de matar alguém
Ouça isto: tantas vezes de amigos eu escapara
de ser morta e traída, tendo feito o bem.
Sendo tão comum ver colegas que o mal comemorem…!
Ai, Senhor! Proíba que esses demônios por aqui se demorem.
O conhecimento de causa e efeito favoreça aos que orem.
Deus me poupe desse grave erro:
de confundir pecado mortal com Justiça.
Que eu não seja cegada por cargos e ordens, cobiça!
De admirar perseguições, comemorar enterros…
A confissão dos pensamentos é um presente inefável
no sacramento da penitência, confissão perante Cristo.
n’Ele confio e deixo a preocupação de ser vulnerável:
seus Santos e Anjos me guardem, sempre que eu pensar nisto.**
* “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus.” (Carta de São Paulo aos Romanos 8, 28)
** “O temor que tu dizes ter, por causa dos pecados, é ilusório e um verdadeiro tormento que te provoca o demônio. Afinal de contas, já não te confessaste? Então por que temes? Deixa esse bandido para lá, e que se vá de uma vez. Abra a Jesus teu coração cheio de uma santa e iluminada confiança, e creia que ele não é o justiceiro cruel que esse operário da iniquidade te pinta, mas sim o cordeiro que tira os pecados do mundo, intercedendo com gemidos inefáveis por nossa salvação”. (São Padre Pio, 29 de março de 1914, a Raffaelina Cesare, Ep. II, 60).

Imagem: Tentação de Cristo, Ary Scheffer.
Salmo 5 - Livro VI
Senhor,
Eu devo lamentar a destruição do Segundo Templo,
o lugar onde o povo de Deus prestava culto..?
O canibalismo humano desfiando a crueldade do tempo,
sitiada por Tito, Jerusalém sem indulto..?
Ou devo lamentar, antes, o funcionalismo do sagrado;
os sacerdotes devorando a fé do povo, punindo os amaldiçoados?
Os que proíbem gestos de amor e cura, as palavras de Deus ao nosso lado…?
Do mesmo modo, Senhor,
Será que devo lamentar a retração da Igreja Católica…?
Recolhida em palácios caros, dando ao povo esmolas módicas…?
Acolhendo os poderosos, negando houvesse um primeiro evangelho;
construindo os próprios símbolos e simbologias,
idolatrando Maria como um objeto velho…
Desumanizando o sofrimento de Cristo e Maria
Para proibir no ser humano a revelação de mistérios…*
A fé por decretos, imposta, pelos que me mandam calar a boca, bem sérios…
Dizem o Cristo desonesto: não Te reconhecem se digo justo o Teu critério…
Jesus só o mago milagreiro, calado e morto;
do contrário, se Ele fala em mim, ai… Dizem-No torto.
Só a interpretação da autoridade faz a mais valia
com que lucram os doutores, ceifando o espaço de um novo dia.
As mulheres mais caladas: não podem falar, dizem não falava Maria…
Alguém mais quer conversar? Se for homem, doutor, italiano, sorria…
É, Senhor.
Devo lamentar, com certeza.
É o que dizes em meu coração machucado.
Pois quem ouça o meu lamento, reza:
Deus não deixa de ser revelado
por causa da opressão, nem da tristeza.
No entanto ouço palavras de encanto e beleza:
nos discursos dos Papas, a salvação da humanidade.
Por eles e pelos Santos, se vai fazendo esta limpeza
dentro e fora dos palácios, a palavra diga verdades.
Os justos não sucumbiram em divisão:
escolheram a unidade.
Condenar a Igreja não resgata sua dignidade
quisesse um protestante ter razão.
* “Não se salva, porém, embora incorporado à Igreja, quem não persevera na caridade: quem permanecendo na Igreja pelo «corpo», não está nela com o coração”. (Santo Agostinho, Bapt. c. Donat. V, 28, 39: PL 43, 197).
“Lembrem-se, porém, todos os filhos da Igreja que a sua sublime condição não é devida aos méritos pessoais, mas sim à especial graça de Cristo; se a ela não corresponderem com os pensamentos, palavras e acções, bem longe de se salvarem, serão antes mais severamente julgados”. (Lumem Gentium, Cap. II, 14)

Imagem: Cristo Juiz, 1447, por beato Fra Angelico.
Salmo 6 – Livro VI
Eu Te louvo, Senhor,
porque diante da vileza,
não ficaste calado.
Falaste em meu peito a realeza,
alegraste meu coração machucado.
Todo louvor e glória se dirijam a Ti, Senhor,
porque criaste homens parecidos conTigo.
Aqueles que me recebem com sorriso amigo*
e nas periferias ensinam o teu grande amor.
Teu nome seja louvado, Senhor, pela tua sabedoria
em não distribuir os Teus bens mais caros
a quem os esfacela, como um cão destruiria.
Pelos teus ensinamentos tão claros…
Que nem a noite com maior treva recobriria.
Sem raciocínios complexos, ou símbolos ignaros:
com simples histórias do que temos no dia-a-dia.
Eu te louvo, Senhor, porque não és raro.
Todo o tempo estás disponível com nova alegria.
O demônio tem raiva de Ti:
porque és grande, incontornável, dono do tempo:
porque mesmo ele corrompa todos os Teus templos
louvores não cessam de sair de lá, dali e daqui.
E mais ainda te louvo, com versos de safira, diamante e rubi.
Como é grande o mistério inefável em que Te vi:
em tantos lugares da Tua bondade encontro exemplo.
* “Jesus Cristo é o sorriso de Deus”. Santo Antônio de Lisboa, Sermões.

Imagem: arquivo fotográfico dos Santuários Antonianos.
Salmo 7 - livro VI
Senhor,
Eu queria ser um lago onde 5 mil pessoas se banham
de águas transparentes, deliciosas e tranquilas
Onde às bordas de suas margens flores se apanham,
onde as palavras são potáveis e o meu barco desfila.
Eu queria nesse lago, lugar de escrever poemas,
os meus Filhos nadassem, sabendo o que eu sentia
nas águas transparentes, o fundo claro como o dia
com peixes luzidios, pescando coisas supremas.
E cada pessoa tocando em meu lago, eu saberia: divina estema.
Donde tira o sustento navegador ou marinheiro que nada fazia …
Senhor,
ouviste o meu desejo, no entanto não só me fez lago
com as lágrimas de minhas esperas, fez mar, oceano imenso e vago.
Lugar onde Cristo caminha e me salva da onda, com Seus afagos.
Deus ouviu o meu desejo: estar juntos não só nesta vida,
nesta viagem que cedo ou tarde, termina repetida;
estar juntos desde o céu, na mais alta eternidade.
Onde a palavra não cessa e revém felicidade,
presença imanente de luz etérea bem construída.
Onde vemos juntos, rezamos juntos, por coisas sofridas…
Presença de alma compartilhada ininterrupta.
Onde já cessou a angústia e toda questão abrupta…
Na dia eterno, no sorriso, no sono, no sonho:
proximidade entre os que se amam assim disponho.
Meus Filhos jamais hão de se sentir sozinhos:
é muito povoado, felizmente, e tão aberto
o mar que eu enchi com meu choro descoberto:
Água e sal bem transparente, em boa temperatura
Aonde todo homem torna, para sentir as emoções mais puras…
Não termina o amor de mãe! Se tens sede, me procura!
Haja erro ou haja acerto…

Imagem: Cristo caminhando sobre a água, de Julius Von Klever (1850-1924).
Salmo 8 - Livro VI
Nestes dias quentes, agitados e pesados
Em que se farta do ser humano a Terra
Lembro que Cristo, o Salvador, jamais erra
por mais tantas vezes se insista no errado.
Nossa mente sequer divagar pode:
foi o tanto movimento, populoso, que se abre
demandando toneladas de alimento e tantos sabres,
os carros e fábricas buscando o que nos acode.
No entanto o Cristo quase não se remunera:
na realidade muita gente premia outros intuitos.
Se convida cobradores, pescadores, paisanos à espera,
é para que nós nos façamos de todos, muitos
para inaugurar nas prioridades uma nova era.
O sossego do lago da alma demanda quietude sincera.
Só uma coisa é necessária: atenção ao que Tu eras.
Menos posses e mais Espírito em parques e circuitos…
És Tu, Senhor, quem a misericórdia ensinas:
o bem mais escasso, e hoje mais valioso
que ninguém oferece, crendo ser poderoso
pedindo corte de faca, palavras de pedra…
Mais raro que as esmeraldas de minas:
ceder à dignidade antes do que é ambicioso.
O sossego da alma faz ver quem tanto medra.
Não se pode confiar no ser humano,
que ao mal porventura se inclina…
O consumo que a Terra vai suportando todo ano!
Por isso és tu, Senhor, quem a misericórdia ensinas
sendo alimento suficiente para quem crê nos teus planos.
Salmo 9 - Livro VI
Quem é Jesus Cristo para mim?
Alegria de que o mal terá um fim
Salvador que nos recolhe de todo pensamento ruim
A árvore da vida no eterno jardim.
Brilho do ouro mais puro nas mãos do querubim,
Perfume de incenso no palácio com paredes de marfim,
Toque da mirra feita com bálsamo, parafina e alecrim.
Melodia suave da lira e sopro de um doce clarim,*
O Santo alimento sobre altar de mármore carmesim.**
Verdade inesgotável, ímpigro amore, paixão no sim.
Quem me ama sendo eu imperfeita, mesmo assim.
O Irmão primogênito que sofreu muito antes de mim.
Quem é Jesus Cristo para mim?
Cristo é quem nos fez voltar a ser um de nós***:
não mais tristes egotistas, voltados para si.
Cristo fez o amor dizer suficiente a Sua voz,
explorado conosco, pelo poder em frenesi.****
Cessando a miséria da multidão em se fazer punida
Cristo nos deu de comer o fruto da árvore da vida,
Pois é um mal a si mesmo, ao próximo causar dano.
Ser alguém com quem Deus fala no jardim dos eternos anos
exige não acusar quem nos acusa, ser ferido sem fazer feridas.
A ignorância contamina e faz decair do maior plano.
Louvor e glória sejam dados para sempre ao Cristo
Por ter nos ensinado e nos retornado ao Paraíso disto.
Quem é Jesus Cristo para mim?
Consolador: que o mal não permaneça convém.
Cristo lamentou com tristeza a destruição de Jerusalém.
Preferia que o Templo cessasse o mal e O deixasse fazer o bem.
O Templo, contudo, perseguiu poetas e expulsou profetas, com desdém…*****
E quando veio o novo dia, em defesa de fraudes restou ninguém.
* “Na presença do Menino real, os magos fazem a proskynesis, isto é, prostram-se diante d’Ele (…). Nos três presentes, a tradição da Igreja viu representados três aspectos do mistério de Cristo: o ouro apontaria para a realeza de Jesus, o incenso para o Filho de Deus, e a mirra para o mistério da sua Paixão. (RATZINGER, Joseph (BENTO XVI). A infância de Jesus. Planeta, 2012, p. 90).
“Exalam vossas vestes perfume de mirra, aloés e incenso; do palácio de marfim os sons das liras vos deleitam.” (Salmo 45:8)
** “Enfim, santo, em terceiro lugar, significa «tinto de sangue». Também os santos que estão no céu são chamados santos, porque estão tintos de sangue, segundo o Apocalipse (7, 14): Estes são os que vieram da grande tribulação e lavaram suas vestes, no sangue do Cordeiro. Também diz o Apocalipse (1, 5): Jesus Cristo que nos amou e nos lavou dos nossos pecados, no seu sangue.” (Comentário ao Pai-Nosso, São Tomás de Aquino, 33).
***Gênesis 3, 22
**** “Naturalmente permanece sempre verdadeira também a frase que Jesus disse a Pilatos: “O meu reino não é daqui” (Jo 18, 36). Às vezes, no curso da história, os poderosos deste mundo colocam-no sob a sua alçada, mas é justamente então que o Reino corre perigo: querem ligar o seu poder com o poder de Jesus, e precisamente assim deformam o seu reino, tornando-se uma ameaça para ele. Ou então este está sujeito a uma persistente perseguição pelos dominadores que não toleram nenhum outro reino e desejam eliminar o rei sem poder, mas cujo poder misterioso temem”. (RATZINGER, Joseph (BENTO XVI). A infância de Jesus. Planeta, 2012, p. 34).
***** Conforme a estupidez fascista japonesa, “todo prego saliente deve ser martelado”.

Imagem: Cristo chorando sobre Jerusalém, Ary Scheffer.
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