sonetos de água irisante
Depois de findo o livro Sonetos para Minha Pátria. Novo livro de Sonetos, para um novo volume – Sonetos para Viver de Amor. Desta feita, tentando fazer sonetos ainda mais românticos e açucarados.

Imagem: @naturesms
Soneto CCCXXVII
Ana Paula Arendt*
VIVER um amor ou escrever sobre o amor:
pois alguém pode, vivendo amor plenamente
escrever, ao mesmo tempo, o amor que sente?
Eis a questão difícil de meu coração em flor.
Quem me olha esperando ser visto
perde saber sua imagem, ao tê-la quisto…
Quem mira no reflexo antes de ver a água
perde a suavidade da mão que desliza e a afaga…
Estranho poema em que pergunto o que escrevo:
linhas das quais me calei, fazendo um evo…
Mas gostaria de escrever sobre o amor vivido:
este sem tamanho, guardado escondido.
Amor vivo, o entregar incessante por inteiro,
brilho antes de escrito que te amei primeiro.

Imagem: @naturesms
Soneto CCCXXVIII Ana Paula Arendt*
A COMPAIXÃO é muito maior que a paixão.
Pois paixões convidam, podemos fazer opção
por resistir, pensar, e assim fazê-la crescer;
ou então dela simplesmente duvidar e esquecer.
Mas compaixão, algo gigantesco e sublime:
sofrimento que o meu peito dilacera e oprime.
Eis compaixão, o motivo puro, sagrado:
mesmo sem resposta, segue jamais calado.
Ter chama no peito do outro me obriga:
a dizer: compaixão! Construir suas vigas.
Dizer o sermão em que eu mesma aprendo
a sofrer com o outro o que ele está sofrendo.
Compaixão! Trazer para si mesmo problema
que tenta o Amor resolver em tantos poemas…

Imagem: elmundo.cr
Soneto CCCXXIX
Ana Paula Arendt*
ME FIZESTE ver que antes não via possível:
a manhã surgindo para aplacar os montes.
O Sol que não queima, translúcido e móvel,
o mar que não afoga, sorriso que me contes.
Me fizeste encontrar o espaço não habitado,
a necessidade não só de amar: ser amado…
Ver pólen, teia, beijo, brilho.
Ser passo do amor, nele andarilho.
Me fizeste vencer o amor, para ir ao meu dia:
fazer as coisas que por mim ninguém mais faria.
E fazendo minhas coisas, descubro não o venço.
Aguardo logo a noite, serva dele enquanto o penso…
Viver um amor e ao mesmo tempo escrever sobre ele:
fazer que o teu braço em delícia perdure e se protele….

Imagem: https://ecoosfera.com/
Soneto CCCXXXI
Ana Paula Arendt*
NO FUNDO dos teus olhos,
lugar onde a lágrima nasce,
está a nascente destes fólios,
entre estações da linha Impasse.
Eu desço na quadra mais bonita,
paredes ornadas com gravuras.
Lá encontro a tua mão de nervuras,
para esfregá-la com a minha, perita.
E quanto mais te insistes inocente,
mais meus olhos te seguem, fixos.
Move-te tanto, crescente e descente,
suspeito deste poema que afixo.
É porque no fundo és, sim, culpado.
Culpa tua, precisar ser amado.

Imagem: PJJARUWAN. In: https://www.elperiodico.com/.../nube-pileos-iridiscente...
Soneto CCCXXXII Ana Paula Arendt*
SEI QUE os pássaros não te amam:
voam para longe quando choras.
Queimado de ombros que te inflamam,
de ninguém vir socorrer tuas horas.
Assim é difícil que poeta não surja
para cantar e ser teu único pássaro.
Depois de recusar todo apelo que urja,
depois de guardar, magoada, meu lábaro.
Difícil não cantar para o ouvido mudo,
não atender ao peito que tudo espera.
Não entoar o que perdura infinitas eras,
revezar tremor grave e tranco agudo.
Variando mesmo canto que a vida impusera,
trovando existe o meu amor, apesar de tudo.

Imagem: Leo Caldas. @fotografiaeastronomia
Soneto CCCXXXIII
Ana Paula Arendt*
É POSSÍVEL amar sem te conhecer,
e te conhecer sem ter jamais te visto?*
Mas a distância não nos deixa morrer,
e por querer saber mais, eu te existo.
Presumi conhecer bem tanta gente!
Mas tomei o contrato pelo contratante,
proximidade por quem era indiferente…
Só conhece o navio quem foi tripulante.
Agora o desconhecido me atrai e acena:
sou dele náufraga, irmã e habitante.
Conhecer aos poucos é deixar os problemas
que nos fazem ser do mundo caminhantes.
Em ti faço o que o meu destino ordena:
verdade, cuidado, um amor semelhante.**
* “Só conhecemos bem aquilo que amamos; e só amamos bem aquilo que conhecemos”. Santo Agostinho.
** Conhecer significa ter “uma certa fé que é, de certa maneira, o ponto de partida do conhecimento; mas um conhecimento que não será perfeito, exceto após esta vida, quando veremos face a face. Vamos portanto pensar assim, de maneira a conhecer que a disposição de buscar a verdade é mais segura do que presumir conhecemos as coisas” (Santo Agostinho, Sobre a Trindade, Livro IX).

* Ana Paula Arendt é cientista política, poeta e diplomata brasileira.
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