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Resenha de Veneráveis Virtudes, por Celso de Alencar




On a recent work of Ana Paula Arendt

Celso de Alencar*

When you think: poetry is dead! No, it didn’t die, and it won’t. When everything seems to be falling apart, no, it won’t be for sure. Because suddenly poetry arises with strength, from the bottom of the Earth, from the deepest root, brought by those who create it. This most recent work, certainly not the last one, of the poet Ana Paula Arendt, is a proof of my assertion. There is a splendorous maturity. Richness of images. It is the sound of a bell that does not repeat, a different sound, a sound that brings to us the word that was becoming scarce, and rare. A profound invention, very proper. At her preface, it is already predicted what is going to be found next: strength of invention. Of complicity with literature. Of complicity with life, with the word. A poetry of enchantment. Ingenious speeches. I feel grateful for having had access to this fabulous manuscript “The Venerable Virtues of Men”.

With my admiration,

Celso de Alencar*.

* Celso de Alencar is an acknoledged Brazilian poet, who lives in São Paulo, founder the post-modern “pervert poetry” movement.

Leia aqui o trecho inicial do livro "Veneráveis Virtudes do Homem", poema escrito em 100 estrofes por de Ana Paula Arendt, a ser lançado no próximo ano pela Editora Chiado, em Portugal, Brasil e Angola.

"Entre os paralelos 15 e 20, habita Sulis Minerva Numa terra feita de ázimos pedestais, regem as constelações das estrelas antigas, passivamente ornando a orbe e movendo as ordens que os homens não veem. Numa terra revelada pelo sonho de imensidão e glória, um planalto elevado ergue-se meio às árvores espessas, musgos úmidos e líquen acetinado. Ali plantam-se as oliveiras cujos ramos as pombas levam, onde se colhe o azeite, na encosta dos tanques e de uma torrente d’água. Nessa terra os homens galhardos, que vieram de velhas paragens, plantaram vinhas, criaram o mosto, e celebram os ritos loquazes conservados desde há muito tempo, quando se vivia no passado. Intitularam-se a si mesmos brasilianos, e exibiram, exigentes, os frutos e o néctar que ali produziram para os irmãos do Prata.Ali, meio aos jardins bem cuidados e aparados em conformidade com as estações, os ipês coloridos e as paineiras se alternam, sombreando as aves durante o dia, vigiando atentos durante a noite, quando brilham em seco sob as luzes artificiais da cidade. Debaixo deles, circulam os seres animados pelo sossego, quando vão purificar-se em lautas comunhões. As divindades brasilianas, do alto de seus elevados montes, observam o burburinho alvoroçado, o arrebique das noções novas, e inspiram-se na fresta que se concedem os lídimos humanos. Cantam os poetas sob o privilégio do silêncio enquanto todos dormem, silêncio que brota verde à beira dos sendeiros e despontam na paisagem ressequida, despertado pelo vento úmido mistral, que chega brando após três ou quatro noites do extremo sul àquela metade do Equador, onde habitam as espécies marinhas. Eles saúdam a ventura suprema dos homens, o riso das mulheres, a surpresa das palavras novas... A melodia de suas almas, donde brota a baunilha, o mel... E o vinho.

Canto I

Canta Sulis Minerva, ao ter um jovem guarda irresistivelmente apaixonado, em corpo de sagitário.

1

Ó Homem, de meu peito, bem criado Em meu colo nutro o pleito que proclama A virtude do herói alvo e cansado Consolado neste gesto de quem ama. Ó semblante rigoroso que me aplaca; Braço rijo, rosto nobre, em gentil brama. Seja em gala, em pego undoso, em noite clara; É feliz mulher que nele agita a chama. Na aurora rutilante, em sombra langue Sonho o enfermo exemplar de força exangue.

2

Soou a nota do desejo, em tempo não vivido;

Mas ventos vazios anunciaram terra fastidiosa.

Em doces teclas, mostraram ser descabido

Ter paixão em excesso, tão direta e pressurosa.

E eu, perdida de amor, que não o via eximido

Tive de enxergar de novo a vida em prosa.

Semanas inteiras, vividas pelas beiras,

Em êxtase contido, em infindáveis horas.

Seus lábios gentis foram tão implacáveis!

O silêncio partiu-me, em confissões suaves.

3

Recolhida em flagelo, acaricio minha mão,

Recorda-me o feito de amor sem querer.

O pudor me inflama com o entrave à visão

Entoando triste a fragrância do anoitecer.

Meu amor respira em palavras, desde então:

Maior crime é não te pertencer.

Experiente em desatino, manda-me cartas, como Sabino,

A um coração ferido, em suplicante entonação!

Cede a esta dúvida, já que levas tudo muito a sério;

Deixe que eu mergulhe em doce e furtivo mistério.

4

Do pensamento nada se cria, do sentimento nada se perde,

Tudo se transforma a cada dia; tudo se esvai na vida breve.

Mas se é passageira a alegria, e se há prazer em volúpia verde,

Tanta maior é a poesia, se o homem à ela se atreve.

Neste santuário bem defendido, que o pleno significado deserde

O defeito do esboço urdido, que aos amantes prescreve.

Que nossos corpos, em espírito fundidos, produzam este abrigo,

E assim o preserve.

Com dedos assim enleados, em mechas desemaranhadas,

Sustenta-se o homem baldio, de precipitações equivocadas.

5

Assim que a margem avança,

Se vê banhada pela água que não cessa de correr.

Murmúrio terno o ouvido alcança,

Mas o frio se instala na vaidade per se.

É a necessidade de fiança,

De satisfação e a intemperança, que espera o enaltecer.

Indiferente perde a fome, atento a tanto sobrenome,

Vive sem saber por quê.

O mal-estar do homem, tendo descoberto em si tanta vaidade

Aplaina o delírio mais-que-perfeito, fora possível a felicidade.

6

Em vários tempos se consome esta escrava da língua,

A trabalhar versos remidos da lamúria soberana

Empresto-te o dissídio, o arbítrio e te curo a íngua

E em troca me rompes a sombra de ilusões humanas.

Não há nada de épico, é apenas mulher à míngua

Buscando seu peito numa triste selva urbana.

Levianos gracejos escondem os tépidos desejos

Pois de homem talante é a eufonia em campana.

Me dá sua doce eulalia, sua pena veemente,

Na graça de um beijo oculto e clemente!

7

Mas de leves menoscabos não se fazem grandes delícias.

Recordo: ingentes apenas em jardins bem cuidados.

Só a arte desfaz o ardor em carícias

E tão mais intensos são os amantes indisciplinados.

Mas ai de mim! Duas torpíssimas insontes insípidas,

Acrescentam ciúmes de estar a seu lado.

Desfiladas em plumas que jamais discordam

Com suas grenhas – asco! - te fazem de nefando pasto.

Denunciam incesto, a femínea turba, suprindo rumores;

De nada lhes valem, pois óbvio desconhecem sublimes amores.

8

O amor sublime é muito sério, cantado por quem se ama:

Não é de pedestal que o poeta o tece contra dissabores.

Na noite calada, de anúbis o império, em si derrama

A alma completa, forjando suas límpidas novas cores.

Com que se invoca, debruado o critério, deste amor a trama:

Só então é feliz, gloriosa a seta, dos veros autores!

Em verso mendigo, de seio despido, úmido amigo

Restabelece, no dia seguinte, os mesmos vigores.

Aflito canta o espírito a entrega certa;

Escapa de morte anunciada só o poeta.

9

Neste mesmo deserto que imprime nos olhos tranquilos

O duradouro tom regresso de um permanente fracasso

Constrito e adverso, de tantos vacilos

Cede ele manso à disputa por novo espaço.

E assim segue o homem, em seu próprio autoexílio

Que abriga na moça um dileto regaço.

Prudente a evita, se o peito palpita,

Em silêncio a alimenta de doce compasso.

Deleite maior não há em se postergar a entrega!

Do homem consigo, que devagar me rega.

10

Um beijo me aguarda, em ansiosa visita

Na qual me imagino ardente em seu colo.

Me espere bem doce, a espera me irrita

E rente a seu rosto eu mais que demoro.

Com gosto a audácia, a memória me incita

A menos falácia com quem eu namoro.

Com mãos indulgentes, no corpo frequentes,

Me perco nos sulcos em que revigoro.

Mordisca e se perde em um dos meus lábios

Molhadas resistem as bocas dos sábios.

11

Vi a lua dar uma volta, na claraboia celeste

De manhã cedo me despertou a aurora

Dos sonhos macios e tantos retestes

Do homem que insiste em se jogar fora.

Nubla o espírito e turva a lágrima, pedir-me que ateste

Sempiterna tendência de crer na demora

Voam Ícaro e Dédalo, na língua formosa de Ésquilo,

Entregar minhas cartas neste brando agora.

Cede-me em tudo que eu lhe peça:

E não farei o que não lhe interessa.

12

Tenro corpo, terno tom em dom de moço

Condescendente, sabe que o tempo em tudo emana

As necessidades, desejos, no fundo do poço

Perfuram o topo do mundo em ponderações enanas

Mas a escada que ruma do colo ao pescoço

Exala na pele fragrância tamanha!

As virgens arrulham astúcias, descrevem minúcias

Têm alma divina, consistência humana.

Se cantam virtude, são cítara, alaúde, na sua mão

Se inalam seu peito, é porque nele há um coração.

(...) continua.


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