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A EMANCIPAÇÃO DO HOMEM




O charmoso e inteligente estadista Olof Palme (30 de janeiro de 1927 - 28 de fevereiro de 1986).



A EMANCIPAÇÃO DO HOMEM 


Prezados leitores, 


Em comemoração ao natalício de Olof Palme, ex-Primeiro Ministro da Suécia e grande estadista, tristemente assassinado aos cinquenta e nove anos, trago a vocês uma tradução de próprio punho de uma de suas palestras mais legendárias, “A Emancipação do Homem”. 


O texto dele tem seis páginas e parece empoeirado. Convém tirá-lo da gaveta, pois ele disserta de um modo esplêndido sobre um problema atual. Ao final – basta rolar a página para baixo – eu apresento um comentário mais curto, a análise do que me pareceu mais pertinente; as minhas ressalvas pessoais sobre o que mudou na percepção sobre os papeis sociais; e também proponho uma reflexão estratégica sobre o avanço desse tema em nosso tempo. 


Espero que gostem do tradução e possam aproveitá-la em suas iniciativas, projetos artísticos e discussões.


Com carinho,   


Ana Paula Arendt.  



A Emancipação do Homem


Discurso de Sr. Olof Palme, Primeiro Ministro da Suécia, no Women’s National Democratic Club, Washington, D.C., divulgado pela Embaixada Real da Suécia em Washington, em 8 de Junho de 1970, 12h30 p.m. 


A Emancipação do Homem


Na vossa língua homem quer dizer duas coisas – ser humano e adulto do sexo masculino. O que eu gostaria de dizer hoje está, portanto, implícito no título que dei a este discurso – “A Emancipação do Homem”. Desde há muito tempo estamos falando sobre a emancipação da mulher, sobre o problema do papel da mulher na sociedade. Mas para que as mulheres possam ser emancipadas do seu papel social retrógrado os homens também precisam ser emancipados. Portanto, precisamos falar sobre a emancipação de seres humanos. 


No programa de governo de longo prazo do partido que eu represento, o Partido Social-Democrata da Suécia, dizemos que o nosso objetivo duradouro é que homens e mulheres recebam os mesmos direitos, obrigações e oportunidades de trabalho na sociedade. Esta ideia fundamental é hoje acolhida por quase todos os partidos políticos na Suécia.   

De nossa parte, queremos afirmar que a emancipação do homem e da mulher implicaria em vantagens consideráveis desde todos os pontos de vista. 


Os homens deveriam ter uma maior participação nos vários aspectos da vida familiar, por exemplo, maior contato com os filhos. As mulheres deveriam se tornar economicamente mais independentes, conviver com seus colegas de trabalho e ter contatos com ambientes fora do espaço doméstico. O grande ganho de maior igualdade entre os sexos seria, é claro, que ninguém fosse forçado a preencher um papel pré-determinado em função do sexo, mas que pudesse receber melhores possibilidades de desenvolver seus talentos, sendo homem ou mulher. O desenvolvimento das crianças também seria afetado positivamente por maior contato com ambos os sexos. A igualdade também proporciona as condições necessárias para melhor segurança econômica da família, em função da dupla fonte de renda. Se a família não depende inteiramente da fonte de renda de uma única pessoa, é possível administrar com maior facilidade reduções temporárias na renda familiar devido a enfermidade, desemprego, estudos etc. Para não dizer o que um aumento na igualdade significa em termos de segurança relacionada ao divórcio ou à morte. É possível proteger a independência financeira de marido e mulher e é possível cessar a pressão em apenas um dos esposos.  


Mas foi só após a década de 1960 que este modo de pensar se tornou mais aceito na Suécia, após um longo e intenso debate. Ainda se encontra em evidente contraste com as condições práticas. Primeiramente devo apresentar um relato do debate e então dar alguns exemplos das medidas práticas que estamos tomando para tornar a realidade mais próxima do ideal. 


As visões do papel da mulher e do homem dentro da família se transformou gradualmente. Antes da industrialização, na sociedade agrária, a família era em muito maior medida do que hoje uma comunidade funcional na qual ambos os pais tinham contato com os filhos. Como um resultado da industrialização, os homens começaram a trabalhar longe de casa e as atividades mais importantes para uma mulher começaram a ser consideradas o cuidado e a criação dos filhos. A discrepância entre diferentes grupos era, naturalmente, considerável, e havia muitas mulheres que eram forçadas a engajar na atividade produtiva por razões econômicas, embora a comunidade não tivesse organizado nenhuma rede de atenção à criança, talvez pelos deveres domésticos pesados a cumprir e pelas condições no trabalho muito difíceis. Mas o ideal era então que a mulher deveria permanecer em casa para tomar conta dos filhos. A distância entre o mundo dos homens e o mundo das mulheres aumentou. Os homens passaram a ser vistos sobretudo como provedores da família. A relação deles com os filhos foi prejudicada. As mulheres passaram progressivamente a ter um papel dominante na criação dos filhos. 


Durante o século XX, as mulheres na Suécia obtiveram os direitos ao voto. Receberam as mesmas possibilidades educacionais que os homens. O padrão de vida aumentou, os domicílios se tornaram melhores, o trabalho doméstico se tornou mais fácil por meio de auxílio dos aparelhos domésticos, material mais facilmente disponível, mais produtos prontos para consumo. As refeições escolares foram introduzidas em todas as escolas. Auxílios-família e outros benefícios facilitaram a situação das famílias com filhos. Ao mesmo tempo, a educação em planejamento familiar na maior parte das famílias permitiu planejar o tamanho de cada família. A expectativa de vida aumentou. A política de direitos trabalhistas modernos, voltada para manter o pleno emprego, foi introduzida.


Estes fatores contribuíram para mudar as perspectivas sobre o papel das mulheres. Conceber e cuidar dos filhos passaram a ser tarefas que ocupavam cada vez menor período na vida da maioria das mulheres. Depois desse período, tinham muitos anos ainda adiante, quando passaram a experimentar que não tinham mais as mesmas oportunidades de trabalho. A maior parte das funções que as residências individuais tinham de desempenhar eram realizadas fora de casa. Começamos então a conversar sobre a dupla jornada da mulher, como mãe e como trabalhadora em tempo integral. Deveria ser possível para as mulheres ter um novo estilo de vida. Primeiro vinha a educação e trabalho, então o cuidado doméstico com os filhos enquanto fossem pequenos, e depois um retorno a uma ocupação que produzisse ganhos. A fim de facilitar estas demandas de estilo de vida que iam aumentando, entre outras coisas, vieram as melhorias do serviço próximo às residências, e apoio de ensino adulto para as mulheres que desejavam retornar ao mercado de trabalho depois de ter permanecido um tempo em casa.  

   

Mas por volta do fim dos anos 1950, iniciou-se uma discussão em larga escala na Suécia. Havia o sentimento de que o desenvolvimento estava num passo muito lento. As mulheres haviam obtido praticamente todos os direitos formais, mas ainda estavam consideravelmente sub-representadas na política e, no mercado de trabalho, as mulheres ocupavam, via de regra, posições subordinadas. As mulheres então se voltavam para uma demanda de trabalho delimitada dentro do mercado, principalmente posições mais baixas no ramo de varejo, escritórios, saúde e serviços. As mulheres que tentavam desempenhar o sistema de dupla jornada frequentemente encontravam trabalho em dobro, em casa e no mercado de trabalho. Uma jovem mulher escreveu então um artigo intitulado “A Emancipação Condicional da Mulher”, no qual ela chamou a atenção para o absurdo de que uma mulher pudesse competir com um homem no mercado de trabalho sob a condição de que ela mantivesse as suas funções tradicionais dentro da família. Por que uma mulher deveria desempenhar dois papeis e o homem apenas um?, ela perguntava. O papel do pai não é tão importante quanto o papel da mulher? O trabalho doméstico e o cuidado com as crianças não deveriam ser compartilhados entre os pais e as mães, quando a sociedade simultaneamente envida maiores esforços pelos filhos? Estas perguntas foram tomadas como provocativas para muitos. Os argumentos destes, entretanto, estavam baseados na própria situação, a qual raramente eram conformes a esta ideia. Experimentaram o sentimento de estar sendo atacados, ao invés de ver o problema como um todo para a sociedade.  Um problema que demandava reflexão, esforços árduos e planejamento de longo prazo. Ridicularizaram a ideia, propriamente dita. O deboche é provavelmente a arma que tem sido mais frequentemente usada na resistência contra a igualdade de direitos entre os sexos. Foi um debate extremamente emotivo. Mas durante a década de 1960, um certo número de livros foram publicados, os quais buscavam responder às questões colocadas e continham fatos que, gradualmente, fizeram a discussão mudar de teor. O debate se tornou mais baseado em evidências e menos uma escala de opiniões emotivas.


Um livro desempenhou um papel importante em especial, o qual hoje foi traduzido em diversos lugares ao inglês, chamado Dahlstrom, “The Changing Roles of Men and Women” (“Mudanças no papel de homens e mulheres”, não traduzido ao português, N. T.). Sociólogos, psicólogos, cientistas sociais e economistas examinaram o problema criticamente em seus diferentes aspectos, por exemplo, a condição de que o papel da mulher deveria permanecer inalterado, se o papel do homem permanecesse inalterado. Demonstraram como a tradição e as expectativas do ambiente ensinam as crianças desde o princípio que meninos e meninas devem se comportar de um modo diferente e ter características diferentes. Os assim chamados “papeis sexuais”, isto é, as expectativas condicionadas pela cultura sobre um indivíduo em função do sexo, agem como uma espécie de uniforme que reprime a individualidade da criança. Por exemplo, na Suécia, é comum que pais deem brinquedos mecânicos para os meninos e apenas bonecas para as meninas. Esta orientação se reflete posteriormente na determinação das escolhas de profissão, conforme o sexo. A reserva de talentos feminina é necessária no setor tecnológico, mas há praticamente apenas meninos neste ramo de instrução. Tanto crianças como adultos – que estejam sob cuidados de saúde – deveriam se beneficiar de um ambiente com enfermeiras e enfermeiros. Mas apenas alguns meninos escolhiam a profissão de enfermeiro. Mulheres e homens são dirigidos desde a fase mais precoce em direção a diferentes esferas de interesse, diferentes mundos. Ofertar a mesma educação e o mesmo papel para homens e mulheres não faria apenas alcançar uma concreta igualdade de direitos entre os sexos, mas também aumentaria as comunicações entre homens e mulheres, dando a eles mais coisas em comum. 


Não é apenas o papel tradicional feminino que tem desvantagens. Os sociólogos recordaram que, conforme as estatísticas, os homens têm maior incidência de passagens criminais, mais estresse e doenças decorrentes de trabalho extenuante, maior taxa de suicídios e, como uma regra, morrem antes que as mulheres. Na escola são os meninos que têm os maiores problemas de adaptação. Os homens que se divorciam e vivem sozinhos têm maior dificuldade de lidar com a situação do que as mulheres. A interpretação foi de que a pressão social sobre o homem para que ele se afirme, batalhe na vida e seja agressivo, sem mostrar nenhum sentimento, criam dificuldades de contato e de adaptação. Os sociólogos consideraram que não deveríamos falar do “problema do papel da mulher na sociedade”, mas do “problema de gênero”, a fim de enfatizar que o problema também diz respeito ao papel masculino tradicional. Esta designação do problema se tornou amplamente aceita.  


A maior desvantagem com o papel masculino é que o homem participa muito pouco da criação dos filhos. A capacidade de demonstrar afeto e de estabelecer contato com crianças não costuma ser incentivada no homem. Desde o começo da vida tanto meninos quanto meninas têm a necessidade de ter contatos benignos com adultos de ambos os sexos. Estudos revelaram um traço em comum nos perfis de crianças e jovens com diferentes tipos de distúrbios comportamentais: tiveram pouco ou nenhum contato com o pai ou qualquer pessoa adulta do sexo masculino. 


Os sociólogos e psicólogos chamaram atenção particularmente para o problema de formação da identidade dos meninos. Já na idade de três anos, uma criança tem a necessidade de se identificar com alguém do mesmo sexo. Este processo é mais fácil para as meninas porque elas têm um contato constante com mulheres. É mais difícil para os meninos, entretanto. Na sociedade moderna eles crescem praticamente em tempo integral num mundo feminino. Em casa, como regra, recebem cuidados das suas mães. Durante os primeiros anos de escola, seus professores basicamente são sempre mulheres. Existe o risco de que os meninos, por meio da televisão, quadrinhos e outros meios de comunicação e entretenimento criem uma imagem falsa e exagerada do que signifique ser um homem. Os homens são fortes e durões heróis do faroeste, agentes secretos, super-homens, soldados. Os meninos compensam sua falta de contato com homens gentis e comuns buscando os homens dos veículos de comunicação de massa como seu referencial. Deveria ser possível reverter estes problemas. Os homens deveriam desde o princípio ter tanto contato com seus filhos quanto as mulheres. E deveríamos ter tanto homens quanto mulheres como professores nas creches, nos jardins de infância e no primário.   


Há algum tempo tivemos um debate bastante intenso na Suécia se as mães com filhos pequenos deveriam trabalhar fora ou não. Como resultado desta nova perspectiva sobre o problema, deveríamos nos perguntar quanto tempo os pais e as mães de crianças pequenas deveriam estar fora de casa, no emprego. Uma solução é a de que os pais e mães trabalhem em meio período e se alternem cuidando dos filhos. Muitas famílias jovens com horas de trabalho flexíveis, por exemplo, estudantes de graduação na universidade, agora se valem desse arranjo na Suécia. Mas os psicólogos parecem concordar que não é gravemente prejudicial que a criança seja cuidada por outra pessoa parte do dia. Nota bene, se recebe bons cuidados e se ambos os pais mantêm o contato regular com a criança.   


O novo papel do homem implica que ele deve reduzir suas contribuições na vida profissional - e talvez também na política - durante o período em que ele tenha filhos pequenos. Era isso que as mulheres faziam sozinhas, antes.  De um ponto de vista da economia nacional, poderíamos administrar essa perda de produção se no lugar disso estimularmos as mulheres a aumentar suas contribuições no lugar deles.


Portanto, nós buscamos a emancipação do homem como algo importante para o desenvolvimento de nossos filhos e para a igualdade entre os sexos. Tanto homens quanto mulheres estão trabalhando para esse fim. O resultado têm sido programas, desenhados nos diferentes partidos, nos quais se exigem que homens e mulheres desempenhem as mesmas funções. Os grandes sindicatos prepararam os seus próprios programas que permitirão aos homens dividir com as mulheres o tempo de cuidado com os filhos. Os sindicatos e as organizações patronais também estabeleceram um órgão de ação conjunta que trabalha pela igualdade entre os sexos de acordo com este princípio. As mesmas perspectivas se encontram no relatório sobre a situação das mulheres na Suécia, o qual o Governo Sueco submeteu às Nações Unidas em 1968. Estas perspectivas, que num primeiro momento pareceram chocantes e foram ridicularizadas, hoje são oficialmente aceitas. A opinião pública nos tempos de hoje é tão bem informada que se algum político viesse hoje a declarar que a mulher deve ter um papel diferente do homem e que é natural ela disponha mais tempo em cuidar de seus filhos, ele seria olhado como alguém da Idade da Pedra. Os apoiadores da emancipação do homem, em outras palavras, ganharam a batalha e o deboche agora é na direção inversa. Em teoria é assim. Na realidade: a resistência ainda é difícil. Na prática, ainda se pode encontrar injustiças e o pensamento que se volta para defender apenas um dos sexos. 

Mas quando estamos tentando concretizar as ideias de igualdade entre os sexos, isto se faz por meio de esforços tanto nos sindicatos quanto no campo político. Não criamos nenhum órgão especial de Governo lidando com este problema, mas consideramos um aspecto que deve ser incluído na reforma de todos os campos de trabalho - na política fiscal, social etc. Deixe-me dar um exemplo:


Uma importante proposta de reforma foi aprovada pelo Riksdag (o Parlamento sueco) nesta primavera e entrará em vigor a partir de 1º. de janeiro de 1971. Trata-se de uma reforma fiscal importante que implica na redistribuição do encargo tributário entre os que ganham uma renda maior e menor. Mas também implica em uma mudança da tributação conjunta para uma tributação individual, em uma única tabela, registrando os tributos sobre a renda nacional. Até então tínhamos tabelas duplas, uma que atingia pessoas solteiras com muito maior peso, e uma que era menos severa com as pessoas casadas. Os homens casados tinham o dobro de privilégios, comparativamente a uma colega não-casada. Por causa disto ele era taxado com menores tributos e em seguida era capaz de produzir uma redução de tributos para sua esposa. O princípio detrás desta nova proposta tributária é que todas as pessoas sejam consideradas como indivíduos independentes economicamente e que a sociedade venha a adotar uma atitude neutra quanto a quaisquer formas de coabitação que as pessoas escolham. O apoio da sociedade deve então se voltar para  onde exista uma necessidade: para as crianças, para os idosos, os enfermos e as pessoas com deficiência etc.  


Agora, não se pode conduzir uma reforma radical sem regulações transitórias. Temos um imenso grupo de famílias em que a mulher não tem condições de se engajar com um trabalho remunerado, mesmo que ela quisesse. Ela pode ter idade avançada demais para receber capacitação, ou talvez ela esteja vivendo em um lugar onde não existam oportunidades de emprego etc. Por esta razão, um subsídio fiscal a essas famílias é concedido durante um período de transição. Mas será dado na forma de redução do tributo final ao invés do que tínhamos antes, no sistema em que se paga tributos conforme a renda. Uma redução na base da tributação progressiva seria mais útil para aqueles que têm maior renda do que para aqueles que têm uma menor renda. Agora temos que foi eliminado este efeito. 


A incidência de ocupação remunerada entre mulheres casadas na Suécia não é exatamente alta, quando comparada com a de outros países industrializados, mas agora vem crescendo rapidamente. Se definimos o emprego como ao menos uma ocupação em tempo não-integral, 26% das mulheres trabalhavam em 1960. Em 1965, esta participação subiu para 33%. Estima-se que em 1970, 43% das mulheres casadas estarão empregadas com remuneração. Em algumas localidades, mais do que a metade das mulheres já se encontra trabalhando. 


As mulheres casadas, as quais permanecem nos lares e desejam retornar ao mercado de trabalho, têm o direito de receber capacitação e um estipêndio especial. A autoridade que é responsável pela política trabalhista tem o dever de encontrar lacunas de recursos humanos, e isto vem sendo feito, entre outras coisas, por meio de uma informação sobre oportunidades de trabalho para mulheres. 


Consideramos o desemprego feminino um problema grave de igualdade, assim como o desemprego masculino. A política trabalhista deve também contribuir para que as empresas descartem o recrutamento irracional, conforme o sexo, e concedam a mesma função a homens e mulheres indistintamente. 


Em 1960, a Confederação Sueca de Empregadores e a Confederação Sueca de Sindicatos concordou que salários diferenciados para mulheres devem ser abolidos antes de 1965, como prazo limite. Mas embora as mulheres em mais áreas estejam ganhando os mesmos salários pela mesma função, mesmo assim têm piores salários que os homens, porque mulheres e homens não desempenham as mesmas funções e as funções desempenhadas pelas mulheres são pior remuneradas. Entre os empregados na indústria, as mulheres ganham uma média de 80% do salário dos homens. Isto entretanto representa um avanço, pois dez anos atrás, elas ganhavam apenas 70%. 


Um estudo conduzido pela Organização Central Sueca de Empregados Assalariados revelou que os membros em tempo integral que, em 1966, tinham uma renda anual inferior a 3.600 dólares, tinha a seguinte composição: 85% mulheres e 15% homens. No setor público, nos bancos e companhias de seguros, os mesmos salários vêm sendo introduzidos para o mesmo tipo de função. Em outros campos, uma igualação salarial entre homens e mulheres foi recomendada. Tanto os sindicatos de operários como os de empregados assalariados consideram os salários femininos parte de um problema de baixa renda em geral. Eles têm buscado uma política sindical que reduza as discrepâncias salariais entre os diferentes assalariados. O Governo criou uma comissão especial que está investigando a ocorrência, razões e efeitos dos baixos salários.  


No campo da política social, estamos trabalhando para gradualmente introduzir o princípio de que os mesmos benefícios sociais devem ser pagos independentemente do status civil e de gênero. O homem que escolhe dividir os cuidados com os filhos com a sua esposa não deve ser discriminado no sistema de seguridade social. 


No planejamento urbano, estamos aventurando desenhar áreas residenciais com serviços expandidos em diferentes modalidades para facilitar o trabalho doméstico. Queremos ter um bom sistema de comunicações coletiva para reduzir tempo de trânsito e tornar mais fácil para ambos, marido e mulher, ter atividade remunerada. 


O serviço mais importante é a creche, onde as crianças podem ficar enquanto seus pais estejam trabalhando. Por conseguinte, planejamos uma forte expansão das creches durante a década de 1970. O objetivo é que todas as crianças possam ser integradas na escola. Todas as crianças devem estar aptas para frequentar uma escola integrada. Algumas das crianças podem permanecer por três horas, e outras por um período mais longo, dependendo se pai e mãe se encontram trabalhando, estudando ou se preferem ficar em casa. Temos cada vez mais consciência do quão importantes são estes primeiros anos da vida da criança para o seu desenvolvimento emocional e intelectual posteriormente na vida. A creche pode compensar para aquelas crianças que não têm muito estímulo cultural em casa, como deveriam ter.   


Nós deveríamos também visar que as horas de trabalho fossem mais curtas para os pais que têm filhos pequenos. Estamos agora rumando em direção a uma redução geral das horas de trabalho. A jornada semanal de 40 horas será em breve estabelecida e o desenvolvimento aponta para mais reduções posteriores. Se a redução das horas de trabalho se der por meio de menos horas de trabalho durante a semana e não por meio de folgas ao redor dos fins de semana, será mais fácil para homens e mulheres harmonizarem o trabalho com o desempenho de suas funções parentais. 


A geração mais velha na Suécia talvez considere correto planejar uma sociedade com igualdade entre os sexos. Mas não podemos contar com quaisquer mudanças no comportamento pessoal. As atitudes sexistas ainda estão muito presentes e são em geral emotivas demais para ser alteradas por meio da argumentação racional. Até onde a geração mais jovem consegue contemplar, é possível, entretanto, ter esperança de atenuar a tradição de que certos sentimentos, características, interesses, comportamentos e funções de trabalho sirvam apenas para homens e outros apenas para mulheres. A política educacional é um importante instrumento para contribuir com uma atitude mais liberal. 


Meninos e meninas na Suécia agora recebem a mesma educação e são escolarizados juntos, em todas as matérias, exceto na educação física. Isto significa que tanto meninas quanto meninos têm educação compulsória em artesanato e costura, e também nas aulas de construção em madeira e metal. Eles também têm educação obrigatória em economia doméstica e cuidados com crianças. Um dos objetivos da escola é contribuir em direção à igualdade entre os sexos na familia, no mercado de trabalho e no restante da comunidade. Este objetivo é enfatizado no treinamento e na capacitação avançada de professores. Orientações de estudo e vocacional devem contribuir para uma maior liberdade de escolha da profissão, independentemente do sexo. 


Mas ainda que a escola trate meninos e meninas da mesma maneira e tenham as mesmas expectativas sobre eles, os alunos são, no entanto, influenciados pelo ambiente, pais, veículos de comunicação de massa e pelo comportamento de homens e mulheres fora da escola etc., com relação a ser diferentes. É quando a escola torna o aluno consciente de que eles estão sujeitos a essa influência e que é necessário quebrar esse padrão cultural estabelecido se quisermos alcançar a igualdade entre os sexos. Os alunos devem ser estimulados a questionar de maneira crítica e discutir as condições existentes na sociedade e chegar a uma opinião que seja baseada no conhecimento de razões e efeitos da situação atual de papeis sociais conforme o gênero. 


Minha revisão de algumas medidas práticas que tomamos e planejamos tomar para permitir que homens e mulheres tenham os mesmos papeis tem sido um esboço. Os problemas [de gênero] estão conectados com outros problemas políticos nos quais não posso entrar em detalhe agora. O trabalho rumo à igualdade entre os sexos deve ser alcançado conjuntamente por homens e mulheres, e não em uma luta um contra o outro. Deveria ser conduzido dentro de um arcabouço de organizações sindicais políticas e comerciais fortes, porque é necessário mudar a sociedade. Também na Suécia existem grupos pequenos, mas de voz menos importante, que ainda sustentam que as reformas não têm sentido e que a revolução é a primeira condição e requisito para a igualdade entr os sexos. Esta é uma atitude romântica. Nós estamos lutando contra a pressão de tradições antigas de milhares de anos. Para tanto é necessária a insistência diária, firmeza, paciência, a fim de mudar as atitudes e realizar reformas que gradualmente alteram as condições de maneira pacífica. É deste modo que mudamos e estamos mudando a sociedade na Suécia em muitas áreas. Talvez fiquemos pessimistas quando observamos o imenso hiato entre a utopia e a realidade, ao menos no que toca aos papeis de homens e mulheres. Mas a grande virada que já ocorreu na opinião pública na Suécia durante os anos 1960 eleva as esperanças de que a emancipação de homens e mulheres é possível.     



COMENTÁRIO AO DISCURSO “A EMANCIPAÇÃO DO HOMEM”. 

Por Ana Paula Arendt*


O que penso dos argumentos de Sr. Olof Palme, e de sua palestra “A emancipação do homem”, ou de um homem tomar para si o encargo de palestrar sobre igualdade de gênero? Bom, antes de mais nada, é importante ter em conta que ele nos falava em 1970, dentro de um cenário histórico bastante específico e definitivamente decisivo para as grandes mudanças sociais pelas quais passariam os países em geral, admitindo as mulheres nas mais diversas posições do mercado de trabalho. Parece que, se almejamos a igualdade, será natural admitir que os homens venham a se somar palestrando e propondo políticas sobre o assunto. Não seria igualdade de direitos, o que propomos, se o problema de gênero fosse exclusivamente um assunto da mulher!   


Considerado isto, penso ter uma ressalva a apresentar ao leitor: de que o discurso de Dr. Palme está preocupado e centrado principalmente nos elementos econômicos e jurídicos relacionados ao funcionamento da sociedade, tomando em conta os direitos e papeis de homens e mulheres; e aborda apenas subsidiariamente o problema da saúde e desenvolvimento integral das crianças, e os valores que orientam a sociedade, na composição das famílias. 


Mas naquela época a ciência – e sobretudo a pediatria – ainda não havia se desenvolvido tomando em conta métodos científicos apurados. Recorde-se, por exemplo, que nas décadas subsequentes se disseminou o leite de vaca em pó, hoje infame no primeiro ano de vida. Diversos médicos passaram a recomendá-lo como um alimento “mais forte” que o leite materno, sem que houvesse nenhuma evidência científica suficientemente confiável para tanto. O resultado desse experimento precipitado foi uma geração com maior propensão ao sobrepeso e a diversas enfermidades. Um pediatra que muito respeito, Dr. Antônio Lisboa - homenageado recentemente pelo Hospital Materno-Infantil de Brasília, que agora leva seu nome - foi um dos poucos médicos que se recusou a adotar o uso do leite de vaca como um avanço para a saúde da criança. Não só alertava que não havia prova suficiente para afirmar que o leite materno humano fosse menos adequado a um ser humano que o leite de vaca; mas também foi o responsável pela organização do primeiro banco de leite materno da América Latina. Alguns médicos que o esnobavam como alguém ultrapassado e retrógrado hoje não são levados mais a sério. 


O fato é que Dr. Lisboa, por sua longa experiência – foi longevo – se põe respaldado pelos resultados que encontramos literatura médica sobre neuroplasticidade, ao não recomendar que uma criança frequentasse a escola antes dos três anos, na linha tradicional de Eisenberg, Murkoff e Hathaway  – e sugere em seu livro aos pais idealmente depois dos seis anos. Ele recorda que nesse período a criança deve explorar o espaço doméstico sob rotinas bem definidas e estabelecer relações de confiança interagindo com os parentes mais próximos, e a construção da identidade não depende tanto da interação social com crianças da mesma idade, pois seu aprendizado e desenvolvimento social e da própria identidade será mais eficaz e menos confuso interagindo amorosamente com os pais, irmãos mais velhos, tios e avós, a fim de estabelecer comunicação com o outro.  Considerava – e isto me disse pessoalmente – que a equivalência dos papeis de homens e mulheres na criação dos filhos é absurda, sendo essa igualdade uma conclusão que não está amparada em fatos de saúde, refletindo muito mais um desejo proveniente de um discurso político de progresso do que uma conclusão sobre o que realmente contribui e prejudica o desenvolvimento da criança.


Ora, é natural perceber que o contato físico da mãe com o bebê tem um impacto consideravelmente maior na criança durante os seus primeiros anos do que o contato entre o pai e a criança. Mãe e filho tiveram um outro tipo de vínculo biológico e físico, decorrente tanto da concepção e gravidez, e, ainda, consequência da amamentação. Hoje sabemos que isso implica inclusive na produção de substâncias químicas que acalmam e regulam o sistema nervoso da criança, como a ocitocina. Isso prossegue verdadeiro mesmo nas situações de estresse quando os filhos já são maiores. Crianças que recebem menos contato físico e afetuoso da mãe se tornam mais susceptíveis a enfermidades e dificuldades sociais na vida adulta. Afirmava Dr. Lisboa – resumindo o que diversos pediatras de maior qualificação acadêmica igualmente afirmam – que a criança sequer discerne que é parte separada de sua mãe nos primeiros anos de vida: esse crescimento de percepção ocorre gradualmente. Ele resumia bem quando afirmava ser possível instintivamente deduzir tudo isso, ao observar a interação entre mãe e filhos, quando comparada com a interação entre pai e filhos; o que não invalida nem concorre com a importância da paternidade, mas tornam esses exercícios fundamentalmente distintos. 


Neste ponto é que me parece falhar o discurso do Sr. Palme, já que os direitos devem ser iguais,  mas a maternidade e a paternidade não são exercícios equivalentes. A separação entre mãe e filhos em espaços distintos costuma ser um evento traumático para a criança e, portanto, afeta o seu desenvolvimento. Tem adicionalmente impactos sobre a saúde materna, pelos efeitos de sofrimento físico, e não apenas psíquico. De modo que alcançar a igualdade de direitos nesse quesito demanda uma compensação posterior que respeite e leve em consideração essas diferenças. Além disso, não se pode simplesmente rasurar toda a riqueza das relações humanas. Os seres humanos não são todos iguais, pelo contrário, a natureza proporcionou que cada um tivesse características de um modo absolutamente único. Pais e filhos, tios, avós, não interagem todos da mesma forma, e seria uma tolice deixar de enxergar as afinidades entre mãe e filhos, entre os pais e os filhos, ou entre os parentes, nos diferentes lares, antes de igualá-los intransigentemente.


Mas reparemos nas evidências científicas de hoje como um todo que favorecem a proposta de Palme: o contato físico entre mãe e filhos é benéfico quando é afetuoso e bem dosado; e uma mãe frustrada, que viva de um modo subjugado ou alienada sobre sua condição, desprezada no exercício de seus direitos e sem perspectivas melhores sobre o seu futuro, dificilmente poderá desempenhar esse cuidado plenamente, demonstrando um afeto equilibrado, na prática. Isso é algo que o raciocínio do Sr. Olof Palme capta muito bem. 


Sou da opinião de que hoje nós padecemos ainda desse problema porque o ignoramos: as mulheres subjugadas ou alienadas sobre a própria condição simulam os seus próprios sentimentos. Com isso desenvolvem relações familiares muito superficiais, centradas em si mesmas, porque têm uma permanente necessidade de ser alimentadas e de reforçar uma auto-estima da qual prescindem. Também no meio social, elas deixam de dar a contribuição que poderiam e de conviver amigavelmente com outras mulheres, por se presumir algo menos e, com isso, mesmo asseguradas de seu papel por meio dos contratos civis, reagem como se estivessem constantemente ameaçadas em seu papel social. 


Do ponto de vista que preocupa o Sr. Palme, o impacto da realização profissional da mulher e da maior presença paterna no desenvolvimento da criança, é preciso recordar que o afeto da mãe para com os filhos e para com os demais membros da família deve ser autêntico, verdadeiro, espontâneo: do contrário, a criança terá deficiências emotivas, passará a simular também seus sentimentos, ao invés de expressá-los. Assim a dinâmica familiar não proporcionará um ambiente saudável, onde as forças são restauradas, mas sim um ambiente de permanente tensão, distanciamento e insatisfação. E isto é verdadeiro também para o pai que diminui o ritmo no trabalho para compensar as horas em que a mãe esteja indisponível: se a família coloca no desempenho profissional do pai de família muitas expectativas, ele estará frustrado, ao partilhar os deveres de cuidado com os filhos e as tarefas domésticas. O que me leva a pensar que a reforma social e a emancipação do homem não está apenas nesses novos dispositivos institucionais preparados por um governo, mas antes no debate público e rediscussão de valores sobre o que é o êxito. Contudo isto é uma perspectiva minha, desde a minha experiência pessoal de observar diversas famílias e o que leva algumas a ser mais felizes do que as outras, ainda que não ostentem sinais materiais de sucesso e tanta aparência de beleza.      


Como afirmei anteriormente, é preciso ter em conta que, se bem o Primeiro-Ministro estava preocupado com a primeira infância, ele tinha diante de si questões pertinentes a toda a infância e o impacto que esse cuidado produzia sobre o desenvolvimento profissional das mulheres no longo prazo. As mulheres não passavam unicamente por uma sobrecarga de trabalho no primeiro ano de vida da criança, ou nos seus três primeiros anos de vida: tinham de cumprir com a dupla jornada até que os filhos se tornassem independentes, porque a sociedade se movia por uma inércia. Ele se referia a uma situação lamentavelmente ainda vivida por muitos lares, em que a mulher assumia 100% dos encargos domésticos e toda a responsabilidade de cuidado com os filhos. O que estava em discussão era, portanto, também a divisão do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos, e não só a reinserção no mercado de trabalho, após a maternidade. Neste sentido, ele parece estar nos falando de dois direitos fundamentais de todo e qualquer ser humano: o direito à independência financeira, com funções remuneradas que no resultado geral não reflitam uma desigualdade entre os sexos, e o direito a ser feliz em uma profissão.  


Assim sendo, este debate antigo não me parece de modo algum ultrapassado, porque os argumentos do Sr. Palme são desenvolvidos de um modo honesto e racional. Se, em seu tempo, houvesse a informação científica e médica disponível hoje, certamente ele viria a incorporar em seu discurso outros tipos de políticas que visam garantir a igualdade de oportunidades e de direitos entre homens e mulheres, sem desprezar os fatos – como a possibilidade de adaptação dos espaços laborais ao convívio próximo entre mãe e filhos e entre pais e filhos, uma ideia que vem sendo desenvolvida paulatinamente com a adoção de creches nos mesmos locais de trabalho. Certamente que, no futuro, novas descobertas sobre o que favorece ou prejudica a saúde da criança, ou a saúde materna e paterna, poderão alterar o conteúdo das políticas propostas. O que hoje parece absurdo, a adaptação do espaços laborais para acolhimento e convívio com crianças, talvez seja algo óbvio futuramente, que poderemos considerar muito estranho que um pai se constrangesse tanto com a inesperada visita do filho pequeno à sua sala durante uma entrevista para um canal de televisão. Afinal, a obrigação de se mostrar sexualmente disponível, numa esfera profissional competitiva, talvez seja o que geralmente leva a excluir e esconder a realidade familiar – algo que surge contraditório, se a vida profissional depende e se beneficia com a felicidade pessoal, como um êxito. 


Deixando este detalhe importante de lado - o fator de que a maternidade não pode ser igualada à paternidade por motivos biológicos, ao menos nos primeiros anos - o cerne dos argumentos de Sr. Palme, de que é antiquado direcionar as crianças a assumir papeis sexuais em todas as esferas da vida, parece extremamente relevante, porque ele notava uma completa intransigência na sociedade com esses papeis. O determinismo parecia incompatível com a ideia de que um indivíduo deve gozar de liberdades fundamentais para se desenvolver e descobrir afinidades. Quando ele afirma que as mulheres são uma reserva de talento subaproveitada necessária para o desenvolvimento nacional, e que a mulher precisa assumir posições de liderança e ocupações produtivas para desonerar o homem, a fim de que este possa assumir maiores responsabilidades na criação dos filhos, ele nos propõe reformular o que é a real felicidade e bem-estar para os homens. 


O seu lado ético corretamente aponta, ainda, que seria incoerente ofertar oportunidades às mulheres e, na prática, negá-las: se os homens efetivamente não assumem uma parte mais equilibrada nas responsabilidades domésticas e na criação dos filhos, como as mulheres poderão competir no mercado de trabalho e desenvolver seus talentos? De um certo modo, ele nos chama a atenção para a necessidade de que uma política pública seja honesta e plausível. 


Mas ainda que os homens viessem a recusar esse conceito de “emancipação do homem”, a qual ele nos propõe como uma melhoria de vida real de saúde masculina, antes enfocada no padrão de vida material e de status profissional, o Sr. Palme afirma que os homens, ao fruir da vida em família e assumir responsabilidades maiores na criação dos filhos, produzem uma comunidade mais harmônica e feliz. Ora, a saúde masculina e dos filhos portanto é repensada, nesta palestra do Primeiro-Ministro sueco, mas o ponto que ele nos faz saltar aos olhos é pensar o problema para a comunidade como um todo, sendo as mulheres metade dessa comunidade. Não é apenas um problema relacionado às mulheres, ou uma atualização das políticas públicas em relação aos direitos que conquistamos: é também uma atualização dos nossos valores. Esse raciocínio parece particularmente importante para pensar políticas públicas relacionadas a questões de gênero. O seu espírito de se desvencilhar de preconceitos sugere olhar para o problema sem transformá-lo em uma disputa passional, ou jurisdicional; e, obtido um consenso sobre os fatos, ele sugere pensar em soluções concretas.  


Contudo não quero resumir nem substituir um discurso louvável, muito bem escrito em seu tempo, nem arriscar desorganizar ideias tão bem colocadas. O Sr. Palme nos traz um levantamento histórico valioso, ao nos contar detalhadamente como as coisas eram e como as coisas mudaram na Suécia – afinal, houve um tempo em que aquele país enfrentava os mesmos problemas sociais e a mesma persistência em ideias retrógradas que observamos nos países menos desenvolvidos. E se foi possível haver uma mudança social naquele lugar, hoje caracterizado como uma das sociedades mais avançadas... Ora, então não seria possível haver melhorias também nos demais? Ele desmistifica essa ideia de que os papeis familiares sempre foram os mesmos, como vendem os ultraconservadores, recordando que, antes da revolução industrial, o homem se fazia presente no lar com maior presença e muito maior responsabilidade. A família nem sempre foi o homem trabalhando fora e a mulher assumindo a casa.


Os argumentos que ele tece também me levam a refletir sobre a sua imensa coragem. Como sabemos, esse Primeiro Ministro sueco foi assassinado em circunstâncias extremamente obscuras. Mais de 150 pessoas confessaram a autoria de seu assassinato, quando teria havido um único assassino, conforme testemunhas. Contudo seria insuficiente resumir o seu trágico destino apenas buscando qual teria sido o indivíduo responsável pelo tiro. Fato é que os assassinatos políticos geralmente ocorrem por uma conjunção de muitos fatores. 


Seria ainda ingênuo de nossa parte acreditar que alguém, ao propor mudanças sociais tão profundamente arraigadas no seu tempo, não surgiria uma consoante oposição!  Como afirmou Voltaire: pregar a verdade e propor alguma coisa útil para a humanidade é uma receita infalível para ser perseguido. Os homens que detêm hegemonia e desejam manter mulheres excluídas do que tomaram como seus domínios exclusivos articulam-se com rapidez e naturalmente. Talvez Olof Palme tenha encontrado essa resistência, e ele dá nota disso quando afirma não poder entrar em pormenores, ao fim de sua palestra: “Os problemas [de gênero] estão conectados com outros problemas políticos nos quais não posso entrar em detalhe agora.”, ele afirma. Os homens que desejam manter a estrutura de divisão do trabalho em que o ônus completo do serviço doméstico e do cuidado com os filhos permanece pesando sobre a mulher não raro fazem uso de discursos religiosos para manter suas vantagens, muitas vezes atraindo mulheres para endossá-los. Querem tomar para si a agenda que mais lhes interessa, dessa e de outras formas. Constatamos ser assim entre os próprios homens, quando pertencem a grupos políticos distintos.


Entretanto, quando o deboche a oposição política falham em frenar as mudanças, e elas transbordam irreversivelmente para um debate na opinião pública, impedindo qualquer tentativa de controle sobre a agenda, irrompe inexoravelmente a violência política. É esperado, então, que fanáticos e inconformados incentivem todo tipo de pessoa a aderir ao ódio deles a essas mudanças e convidem mais insatisfeitos a dirigir esse ódio aos que lideram essas transformações. Afinal, para que as mulheres venham a ocupar posições de comando, e não apenas aquelas subordinadas, é necessário que os homens sejam deslocados dessas posições de comando. Isso se demonstra sumamente difícil na prática, pois quem se encontra no poder tem muitos instrumentos para retê-lo, ou para manter pelo menos uma hegemonia com que possa controlar posições de comando. Nisto a transformação de valores proposta por Olof Palme se mostra a receita imprescindível. 


Mas como pensar a segurança e defesa de uma agenda que implica muitas inconformidades e como defender aqueles homens que venham a aderir a esses motivos, para que não sejam alvo de predação reputacional? Ou mesmo dos ataques violentos, quando a reputação deles, por ser ilibada, não possa ser diminuída.  O problema de proteger a vida e reputação dos homens emancipados não é só teórico, nem pertence a uma dimensão especulativa, diga-se de passagem. É uma questão que tem desdobramentos reais e efeitos econômicos, quando nos lembramos da sucessão em empresas, em conglomerados familiares e nos governos monárquicos de países que são hoje grandes potências econômicas e tecnológicas, desde a superação da lei sálica.


A estabilidade e governança de corporações e Estados, quando as mulheres estão à frente, dependem de uma arquitetura e soluções bem pensadas. Uma adaptação gradual à nova realidade e sustentar um conformismo com os fatos não se mostraram práticas suficientes - ao menos a História demonstra que não. Recordar as circunstâncias polêmicas à época do assassinato do Sr. Olof Palme, e também a situação dos homens recalcitrantes, que se veem forçados a abandonar seus motivos, ao se ver alvo de reprovação de seus pares masculinos e por vezes femininos, deveria nos levar a pensar em melhores estratégias de como preservar esses homens do ódio público, de seus pares e de lunáticos. Parece um grande desafio resguardar a relevância dos homens emancipados; sem ao mesmo tempo reduzir o grande escopo e alcance da atuação política em que eles se empenham.  


Neste ponto, o Primeiro Ministro sueco não parecia nem um pouco preocupado com os riscos políticos, mas antes se demonstrou dedicado, ao menos neste texto, a refletir livremente sobre esses novos valores de igualdade que o seu país orgulhosamente vinha sustentando, demonstrando e sonhando possível. É difícil não admirar a coragem e masculinidade bem definida dele: é um homem emancipado, mas que retém suas características primitivas de lançar-se ao embate. Se ele conhece e nos descreve tão bem o problema do papel masculino, é porque certamente experimentou essas dificuldades. Por tudo isso, e não por menos, somadas as suas muitas agendas políticas, Olof Palme foi tão prezado como uma liderança relevante no mundo, em seu tempo. Ler seu texto foi uma experiência agradável, e suas palavras ressonam como um alívio de bom senso ainda hoje. Recomendo aos meus leitores divulgá-lo tranquilamente!


* Ana Paula Arendt, pseudônimo literário de R. P. Alencar, é cientista política, poeta e diplomata. 

     

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