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CANTO AO NORDESTE





Canto ao Nordeste

Por Ana Paula Arendt*



Calma. A flor do Crato*, a glória da Bahia*, a esperança do Maciço*, a areia dos Lençois*, a vinha da Floresta*, os crótons de Tejucupapo*, a carpa de Cabedelo*, a florada e o fruto da Laranjeira*, a flor-mosaico do Mundaú* te saúdam. De tanta dor, te confundiste! Chamaste a mim, em prece angustiante, enquanto estavas nu e em consternação, balbuciando Maria… Não, cá estava eu contigo chorando e indignada porque não sou ela. Mas a todas filhas dela eu invoco! E já estão todas armadas até os dentes, de amor e coragem, para não deixar que o teu peito seja invadido pela desesperança. São elas que lambem a lâmina destes versos que vão cravar no mal a peixeira. Os seus filhos todos vão cultivar no cerne de teu coração saudável uma nova alegria, poemas e livros, milharais e quermesses, orações, canções, melodias, a arte e as boas teses… O rio São Francisco jamais deixou de jorrar até nas Minas palavras e peixes. Formou-se dele esta nuvem carregada de dores que desabou em lágrimas: sim, eu vi que foste amaldiçoado e escarnecido às migalhas, pelos que vivem na terra que tu irrigas. Eu vi que te afligiste no âmago onde existem as coisas, porque senti por ti e por mim. Depois de ter crescido e dado à Pátria os bustos que esculpiram as tuas mulheres e os teus homens, com a delicadeza que está nas mãos de quem serziu tantas rendas, com a força de um sertanejo que enfrenta o Sol rascante, o chão-batido… Ah! Continuas brotando nas tuas planícies pessoas, antes do que tem preço de compra e venda. Na História o que de mais valioso pode produzir cada terra! Heróis, juristas, economistas, políticos, sacerdotes, professoras de vozes exuberantes… Sim, mesmo depois de dar ao País grandes homens e mulheres que cresceram raízes em teu solo fértil e nos trouxeram ao futuro…. Depois da generosidade com que eles abriram ao estrangeiro necessitado o lacre de florestas virgens… Depois de rezar com a perfeição divina que tanto buscavas e depois de encontrar a pureza em toda alma celeste… Recebeste o escárnio: uma cusparada. A gente faminta e sem roupa que veio da Europa, que não sabia o porquê de tanta fome e guerra no próprio seio, deixaste se abrigar nas terras frias preteridas, para querer a sombra de teus belos coqueiros. Essa gente forte que bendisse tudo aqui mais aprazível era analfabeta: não sabia donde veio o ouro que construiu as novas cidades. O ouro das letras e diplomas que tu, Nordeste, cheio de orgulho antigo e generosidade pressurosa deste a eles, com teu manto provecto de sabedoria… A sabedoria, o conhecimento partilhado! As tuas exigências aos filhos para gritar desde tua língua as delícias: o Nordeste será sempre o Nordeste! Construíste as naves que visitam mais próximas a Europa e as colônias ao Norte, porque desejavas dar e herdar civilização, criar as fórmulas de respeito, instalar nestas terras um consenso…. Nos deste a mandioca que tu mesmo ferves no lume lento para me nutrir de força e sentido, enquanto o trigo no Sul esteja repleto de insetos macerados… Pois o ódio é abusivo como um inseto: reclama da fruta que ele estraga. Se acaba o pedaço onde se refestelou, diz migalha, e se não consegue vencer a casca da fruta, reclama de sua integridade: muito cara… Prefere estragar outras frutas mais baratas em outra parte, e nelas acusa o defeito que ele próprio cavou na sua polpa… Quem não ama um campo de trigo? Mas não posso digerir o grão de trigo quando a mão humana se torna abjeta e não mais guarda o trigo, quando autoriza tantos insetos quantos surjam… Venham sempre tuas raízes limpas que a terra abriga. E descortinas um litoral unido e contínuo que orna um País maior descoberto… De ser literal, ah, Cabrália de Todos-os-Santos e suas minúcias, lugar sincero… De nada tudo isso, nem a beleza, nem a bondade, nem a verdade, para o ingrato servem. Os reificados querem reificar-te, querem te transformar em coisa porque tens dignidade e recusas a mesquinharia… Deixa agora que eu toque as tuas mãos de pele espessa e mire um pouco as tuas unhas sujas pelo trabalho. Foste explorado. Foste mal pago. E não te vendeste… Seja o Nordeste sempre o Nordeste! Mas ainda choras… Chora pelos que inventaram o teu sofrimento, o ódio em ti não prospere. No teu vale de bágoas cresçam as açucenas! Agora apagaste a conta de tudo que fizeste cravejado de teu riso, agora atiraste no fogo três mil poemas de tuas mãos amorosas! Há um minuto quiseste perambular pelas ruas da metrópole, mendicante e bêbado: porque nada do que deste de teu coração foi reconhecido. Em apenas alguns dias, tendes a olvidar tudo o que te desmerece: és tão grande…! Mas eis estas palavras grandes que te merecem, para que jamais – jamais – te esqueças disto.


* Ana Paula Arendt é cientista política, poeta e diplomata brasileira. Do livro Hinário do Mundo.


Imagem: Blog do Frid.


* D. Bárbara de Alencar, Heroína Nacional, Panteão da Pátria, cearense.

* Alferes Maria Quitéria, Patrona do Exército Brasileiro e Cadete do Imperador, baiana.

* Esperança Garcia, Advogada dos Jesuítas, piauiense.

* Maria Firmina, autora do Hino da Abolição da Escravidão, maranhense.

* Nísia Floresta, Educadora, potiguar.

* Mulheres de Tejucupapo, pernambucanas que repeliram os holandeses.

* Anayde Beiriz, Professora da colônia de pescadores em Cabedelo, Poeta vencedora do Concurso de Beleza de 1925.

* Zizinha, Professora negra em Laranjeiras, sergipana; e Maria Rita Soares de Andrade, primeira magistrada do Brasil, sergipana.


* Maria Mariá de Castro Sarmento (1917-1993), educadora, colecionadora e boêmia alagoana, Comenda do Mérito Educativo em 2004.

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