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Canto para Princesa Isabel




A Grã-Maestra da dignidade

Por Ana Paula Arendt*


Debaixo da palmeira nasceu Maria,

a pureza do lírio à luz de um meio-dia.

Hora em que se apresentam invisíveis as estrelas

conformadas com o manto azul que o céu revela.



Entre a noite o dia, na hora da estrela d’alva,

nasceu Isabel, dita de sobrancelhas calvas,

Princesa do Brasil, Regente e Imperadora:

Pelo dom de virtudes, veio a ser Redentora.




Mas se olhamos em maior detalhe

tristezas e alegrias que viveu essa Princesa

conhecemos o maior valor de seu entalhe,

superou as veleidades que ditam ser beleza…




Nasceu em berço de ouro para inclinar os aristocratas,

nas fotos tocava piano, cavalgava na espessa mata.

Ela nos discorre com nostalgia de seus solstícios

sobre o mar e a natureza, desde um barco em interstício…



“Não saía do Rio no inverno,

Nem de Petrópolis no verão.

O Palácio de São Cristóvão era uma pequena elevação

ao centro de grande e belo parque aderno

de alamedas ensombradas por mangueiras,

tamarineiros e muitas árvores nas aleias e beiras…

Os bambus, cujo cimo cruzava tão alto

formavam uma verdadeira ogiva de catedral.

Dos andares superiores do Palácio, seu planalto,

trecho de mar do lado do Caju lhe fazia um fanal.

Dos outros lados, se erguia o esplêndido panorama:

por fundo a Tijuca, onde o Corcovado se declama.”**


Ali subiu quando criança para ter visto

o lugar onde mandou elevar o nosso Cristo.


“Embarcava no Arsenal de Marinha,

na galeota a vapor de seu pai.

Navegava entre ilhas verdejantes vizinhas,

o Pão-de-açúcar na paisagem pitoresca se vai.

Em Mauá a estrada de ferro, e então Petrópolis…

Residência deliciosa, jardins com lótus, flor-de-lis.

Canais cortando a cidade de belas casas

e colinas viridentes davam aos seus olhos asas.

Montanhas ao longe, algumas em granito,

que o sol poente corava ao fim de um dia bonito.”**

De amor ao Amazonas, inaugurou o primeiro museu

de biodiversidade e uma orquídea leva o nome seu.


Vieram os assuntos de Governo muito cedo,

a ventura de um dia dos mais belos de sua vida

além do casamento, partos e femininos enredos,

a assinatura da abolição em promessa devida.


Lia todos os jornais e insistia com seus assessores;

instruía o chefe de governo e quando falhavam senadores

recuperava cumprir o anseio justo de um povo.

Trocava um ministro reticente por um outro novo…**

E lhe amaldiçoavam porque os afastava num sovo.


A gente lhe festejava por dizer Isabel benfeitora;

mas os filhos de Patrocínio ela beijava como quem doura

com amor autêntico uma irmandade reparadora***…


A dignidade de um ser humano pertence a si mesmo,

de seus amigos ela não quis o legado nem sesmo:

e sim a verdade de Cristo, áurea e arrebatadora…

Que todos reconhecessem o que reconhecia Isabel, ora!


Provado estava o valor do negro e os descontentes

que diziam menores os ex-escravos, ficassem penitentes

em ver que a oportunidade ensejou neles ricos traços:

aos movimentos negros Princesa Isabel dava espaço.

Com um negro bailava, se todos lhe faziam rechaço.


No entanto a inveja não esmoreceu e o racismo senil

daqueles que recusavam negros fossem titulares do Brasil,

fez crescer mesquinharia quando havia a reparar algo vil…


Não era obrigatório compensar com doações os negros:

mas apenas a presença de Isabel e dos mais íntegros

já incomodava quem não quisesse corrigir degredos…

E de mulheres sem cativeiro os toscos tinham medo****.


Tanta difamação por sua amizade com o Santo Papa!

Campanhas nos jornais que a sua autoridade solapa,

porque Isabel prefere beber de fontes puras e limpas;

porque vai à missa e nas suas memórias se garimpa

o grande amor e afeto que tinha pelo povo negro.

De seus gestos maiores fazem troça os racistas em segredo.




Mas apenas levamos às últimas consequências o que é mais profundo:

o que guardamos com uma leve anotação e é de amor oriundo…

Quem tem paizinho e mãezinha negros sabe da eterna duração do mundo.


“Deixar os amigos, o País e tanta coisa que amava

lembrou nela as mil felicidades de que gozava

e a fez romper em soluços, um choro de criança.

Mas nem por um momento Princesa Isabel desejava

felicidade menor para sua Pátria como herança”.*


“Não se pode ser muito feliz neste mundo”.

Ela dizia que o tempo verdadeiramente bom passou.

Não sabia que o futuro é um retorno mais fecundo

sobre as boas palavras em que o sentido vicejou.

Na Argentina um marco do sufrágio feminino ela ensejou…


“O bom Deus lhe deixou ao menos aqueles que de amor incumbe,

quando a Pátria de suas melhores afeições se afastou mais e mais.

Que o Bom Deus a tenha protegido, foi por sua oração no cais

onde a lembrança de horas felizes nos sustenta e sucumbe”.*

Tudo lhe fala no presente, agora o tempo não conta jamais. *****


Princesa Isabel pôs limites nas ambições desmedidas dos homens,

Desde o exílio seguiu escrevendo cartas reprovando os erros.

Sofreu pelas crueldades contra seu povo desde o desterro,

vendo os acordos sem compromisso que as traças cedo comem.


Mas se tentam erguer de novo com leis um massacre,

como se direito houvesse a humilhar negros e mulheres

recordemos a efígie dessa Regente e os seus poderes

de escrever liberdades devidas e abrir os seus lacres.


A sua memória não se apagou e hoje nos faz valer

quando nos nega dignidade quem está no poder:

Fogo eterno queimou na pluma de uma Santa Prócer.


Se mil tronos ela tivesse, mil tronos ela daria

para acabar com a escravidão que o Brasil admitia!


E se nos criticarem por dizer só bem, como se Família fosse

lembremos ela nos escreveu a todos antes, dizendo seus Filhos

os que então a encontramos, por acaso de suas palavras doces,

a governar, grã-maestra, a dignidade humana desde o exílio…


O que diria Princesa Isabel, uma mulher além de seu tempo

ao ver milhares do seu povo morrer em sofrimento?

O que diria de mulheres agredidas por mero convívio,

da falta de crianças negras nas escolas ditas de alto nível?

O que diria do desmatamento de sua floresta inexaurível…?

O que diria aos que negam Santos e embolsam com tormentos…?


Ana Paula Arendt. “O livro das limitações”.




** Adaptado para verso de Princesa Isabel do Brasil. Memória para meus filhos. Narração dos acontecimentos de 15 de novembro de 1889, feita por S.A.I.R. a Senhora Condessa d’Eu. Notas redigidas a bordo do Alagoas e mais tarde em Cannes. Maço 207-Dc. 9413 – Arquivo da Casa Imperial do Brasil – POB. Museu Imperial/ibram/MinC.


*** Adaptado para verso de Princesa Isabel do Brasil. “Alegrias e tristezas.” In: ANTUNES DE CERQUEIRA, B. S. e M. F. M. ARGON. Alegrias e tristezas – estudos sobre a autobiografia de D. Isabel do Brasil. São Paulo: Linotipo Digital Editora e Livraria Ltda, 2019. p. 578-596.


**** Irmandade do Rosário do Rio de Janeiro, apud CERQUEIRA e ARGON (2019). Ver também diário de memórias de André Rebouças.


***** Vide carta de Princesa Isabel ao Visconde de Santa Victória, defendendo o voto feminino e o fundo de reparações aos negros libertos. Vide memorial erguido pelo Conselho Nacional de Mulheres da República Argentina em homenagem à Princesa Isabel de Bragança - Ouvi o ruído de quebradas correntes, vede em trono à nobre igualdade. (Hino Nacional Argentino). Buenos Aires, Setembro VII - MCMXXII (1922).”


***** Isabelle, Comtesse de Paris. Tout m’est bonheur. Paris: Éditions Laffont, 1978. p. 14.

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