Encontrei aqui entre os meus papeis uma carta muito especial que recebi de um amigo favorito, Almirante Leitão, da minha Família Naval.
Ele gostou do poema que escrevi sobre Coragem.
Achei fantástico, pois esse poema eu escrevi há alguns anos, no mar. As calemas rebentaram e me levaram, muito imensas na costa africana, tive de nadar em alto mar! Eu tentava me desvencilhar adentrando o mar sem fundo... Não me afoguei, pois consegui nadar. Foi durante essa eternidade que não passava, enquanto eu aguardava os salva-vidas togoleses, debaixo das ondas gigantes, que me ocorreram alguns versos deste poema. Foi publicado na Feira do Livro em Genebra.
Curioso que, anos depois, o Almirante tenha achado num livro de 312 páginas justamente o poema que pensei quando estava debaixo das calemas. Eu não havia comentado isso com ninguém. Não havia comentado com VET FN Façanha. Como o Almirante poderia saber que esse poema tinha a ver com o mar mais selvagem que os marinheiros tão bem conhecem, se não fosse ele também um verdadeiro poeta? Foi uma surpresa memorável ler a carta mágica dele.
Um bom resto de semana a todos,
A. P. Arendt.
Um estudo sobre a Coragem
Por Ana Paula Arendt
ENTENDER que há perigo e sentir na espinha o medo;
Prosseguir e criar em tempo real o enredo. Não gritar, quando o tapa encontra a face; Olhar nos olhos, enfrentar sem recurso ao disfarce.
Passar a mão no queixo e sentir o corte do ferimento
Aguardar que cicatrizem a memória e o momento.
Fincar o pé na areia meio ao tormento, Quando tudo se esvai e parece perdido
Esperar com temperança o tempo
Necessário para lhe socorrer um ouvido. Rumar pra longe, aonde as águas são mais profundas
Desviando das ondas que esgarçam a tudo em espumas
Manter o foco e o esforço no seu próprio objetivo Ouvir o homem mais moço, que fez o mesmo e está vivo.
Depois de um pesadelo, rezar um Pai-nosso e sozinho
Dispersar do mal o apelo, combater os seus moinhos. Picotar uma carta de amor não retribuído Apagar todas as mensagens de um sórdido inimigo. Viver do tempo presente, cogitar caminhos futuros Corrigir os homens mais fortes e quem sabe os mais maduros.
Espiralar-se depois de errar uma pirueta Afastar-se de covardes que têm medo de uma careta. Saber-se sozinho, e nem por isso se desesperar Lembrar que o caminho sempre nos leva a algum lugar. Guardar no cofre e não abrir nunca mais um segredo
Anotar os próprios erros, acordar muito mais cedo.
Carregar nas costas a si mesma e aos vários filhos
Sem saber se proverá o passo largo de andarilho Não esmorecer com o desafio, o difícil, o demorado e o desconforto
Saber que mais dia, menos dia, todo homem estará morto
Conhecer bem no seu fundo que frente à coragem hesitarão A onda, o ultra, a faca, a fúria e mesmo o furacão.
In: Poesia Reunida (2014-2018).
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