Por que escrevo
Eu escrevo para te amar muito antes:
te deixar memória, traço, presença.
Para quem amo e na distância me pensa
alegrar-se em saber que é muito importante.
Algo que fiz especialmente de nossos instantes.
Escrevo para aquele que não vi ainda:
e vivendo desgaste da vida, sabe do mesmo
destino de quem foge de ser gente a esmo,
para o abraço em verso nosso que jamais finda.
Escrevo para os poetas de grandes feitos:
para honrar deles tão digna companhia.
Para quem sabe, quando eu parta um dia,
cerrar as mãos com esses amigos de meu peito.
Para nos tirar da afazia
Para lembrar da mesma melodia
Para renovar os nossos dias
Para ver o que de início eu não via...
Para limpar os meus olhos com muita água
Para vencer e ser maior do que a mágoa...
Por isso me causa espanto a alma muda:
que de escrever para amar não necessita.
Aquela cujo coração apenas palpita
de adulação que a um narcisista iluda.
Por isso me incomodo com os salões de chá
em que a beleza dos poemas passa esquecida
para encher a boca do que nos faz feridas,
dizendo um poeta melhor ou pior do que há;
e a obra de si mais do que deve ser presumida…
Escrevo para desagradar quem me insulta:
sim, também me dou a esse árduo trabalho.
Pouco há melhor que fazer verso onde eu detalho
quem persegue e prejudica, sem desculpas….
Por isso eu escrevo, para sair deste exílio
onde convivo com os que me precederam:
os inconformados, que a boa fama perderam
mas jamais da pluma o seu melhor auxílio.
Ana Paula Arendt. O cerne de um coração saudável.
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