Realidade do sonho
Ana Paula Arendt*
O sonho, em psicanálise, suspeitam seja a interface de comunicação entre a consciência e o domínio inconsciente do indivíduo. Como em geral nas ciências humanas, essa disciplina se socorre de inferências do que conhecemos para se lançar ao desconhecido: pois não se percebe ainda uma definição tão bem estabelecida do que seja o domínio inconsciente, ou consciente. E acrescente-se, ainda, a isso, a memória.
Para Freud, era uma representação: algo que poderia ser manifesto, se descrito, ou latente. Uma via régia para o inconsciente. O exemplo clássico é o da prima dando balões de presente para o rapaz que descreve o sonho. Freud rapidamente tomaria que o jovem sente atração pela prima e isso foi parar no inconsciente, pelo tabu; aflorando no sonho, simbolicamente na imagem do presente, algo leve, delicado e arredondado.
Descrevo um sonho meu, recordado por um encontro recente. Apresentaram-me recentemente a um rosto familiar, tentei discerni-lo com alguma dificuldade e notei, para o meu abismo, era exatamente alguém que havia aparecido insistentemente em meus sonhos há quase dois anos. Alguém que, havendo já há tanto tempo esquecido, eu tomava, nos sonhos, como outra pessoa com quem mantinha uma interlocução consciente na realidade.
Pois aparecia em meu sonho alguém com os olhos de uma cor; e buscando na realidade o rosto de quem eu identificava no sonho, nas circunstâncias singulares e específicas do sonho, me deparei com alguém de olhos castanhos, feições um pouco diferentes. Pois eu busquei corrigir, em minha memória, o sonho que tive: passei a figurar no sonho que tive alguém de olhos castanhos. É a mente racional, analítica: afinal, analisei o que sonhava, encontrei a circunstância de quem correspondia ao sonho na realidade, o indivíduo tinha olhos castanhos, então: corrigi a memória do sonho porque supunha havia figurado em sonho de um modo errado, para pensar a situação da pessoa com a qual havia mantido interlocução consciente.
Mas está errada, essa correção feita por quem sonha, orientando-se por uma interpretação do sonho, em psicanálise.
Pois surge afinal o rosto que eu havia sonhado: na realidade, depois de quase dois anos. O rosto e o corpo original, tudo. Sim, eu me deparo, na realidade, com o rosto fidedigno de quem aparecia nos meus sonhos, os olhos da cor original, a perfeita correspondência física. Mistério? Investigando quem era: por alguma razão, o homem que aparecia e dialogava em meus sonhos era alguém de quem eu tinha conhecimento prévio; alguém de quem eu havia, na verdade, me esquecido completamente, depois de uma década… Pessoa da qual eu tinha plena consciência.
Ora, o inconsciente então é isso: algo consciente de que havíamos nos esquecido? Ou que simplesmente queríamos esquecer? Não faria mais sentido falar, então, em uma memória turvada pelo vidro do esquecimento, do que em inconsciente? Então a realidade retira o vidro embaçado, quando se rememora, ou quando se depara, enfim, com a resposta do mistério. O encontro inusitado: ver alguém que eu havia visto em sonho, e que eu não havia reconhecido no meu sonho. Descobrir que o conhecia.
A verdade é que os sonhos são realidades confusas que tentamos discernir com o que dispomos; e Jung percebeu muito rapidamente que não faz sentido falar de um sonho sem conectá-lo com outras interfaces de sonhos dos outros. Se existe o inconsciente coletivo; é porque as inconsciências se interconectam e dialogam, de algum modo.
Sabemos que o inconsciente, ainda, é um lugar onde residem muitas pulsões, desejos com os quais a consciência não quer lidar. Vejo um casal de idade caminhando de mãos dadas, em Belgrado, em perfeita sintonia, com força de juventude, enamorados. O amor, o sentimento que não passa, visível no olhar de um ao outro. Os muitos anos de convivência perceptível no modo de caminhar juntos, num único passo em movimento, mas também no detalhe de como seguravam as mãos um do outro: caminhavam nus um para o outro, como se fossem Adão e Eva, no paraíso. Um dia talvez eu me esqueça da imagem que vi, mas o desejo que isso despertou permanecerá vivo no inconsciente, aguardando a oportunidade de vir à tona.
E imagino - apenas posso imaginar - que os desejos dos outros, também guardados no inconsciente, buscam encontrar as circunstâncias propícias para vir à tona. Talvez sempre haja alguém se comunicando por meio daquilo em que nossos olhos enfocam, numa consciência compartilhada: assim é o mundo espiritual, onde habitam os seres espirituais, dentro da realidade nesse plano, em certas religiões.
Para mim, sinceramente: todo sonho é um arrebatamento. Nos sonhos desvendo uma realidade intrincada, e não apenas os meus desejos ou memórias guardadas no inconsciente. Encontro os mundos nos quais habitam outras pessoas em muitos diferentes momentos. Pela experiência, tenho considerado que, no sonho, a realidade prossegue livre de amarras e a alma discorre livre, como se estivesse imersa em um ambiente de outra substância, de uma quarta dimensão, lugar onde se pode manusear um tesserato e resolver problemas com maior leveza, tomar consciência do que antes não se sabia, experimentar novas sensações.
Nenhuma palavra sobre desejos ou motivos: suponhamos que alguém se apresente a uma autoridade, em quem tem um amigo, e depois seja conduzido por esse amigo ao contato de alguém que possa dar vazão aos seus desejos. Os desejos se encontram? Por que não foi conduzido a outrem, a alguém com maior similaridade de circunstância, talvez de maior interesse profissional? Haveria maior razão objetiva para que assim fosse. Mas foi conduzido numa sequência de presunções implícitas até à pessoa cujo desejo encontra o desejo dele.
Reduzir o inconsciente a um domínio de desejos relacionados às pulsões de sexo parece algo pouco razoável – disso a leitura de que o homem seria sexo e estômago, nada mais. Contudo os que encerram a jornada freudiana nisso se esquecem de que Freud nunca ignorou a importância da cultura: em L’avenir d’une illusion, ele abordou o sentimento religioso, a necessidade de cultura para alcançar a plenitude. A resposta necessária da arte e da civilização. Precisamos ser saciados por uma experiência muito maior do que o sexo, precisamos dos elementos que, na verdade, conferem um real prazer e sentido a essa dimensão.
E eu iria ainda um pouco mais além, para retornar ao óbvio. O homem - e eu tomo o homem como macho e fêmea - necessita não apenas compreender o que lhe é oculto, evitado ou esquecido, no domínio inconsciente, pertinente a matéria do prazer. Nem basta tampouco expandir o prazer do sexo, alimento e sobrevivência para uma superfície imaterial e intangível de cultura e entretenimento, religião. A plenitude está sobretudo na formação do que nos origina: ter filhos. Não é apenas mais uma opção de vida ou elemento que possa ser listado ao lado dos demais fatores da vida, ou que faça parte da realidade feminina.
Freud não parecia dar muita atenção a isso pelos próprios limites do seu ego: a mulher teria inveja do pênis; mas não cogitou o homem poderia ter inveja do útero. E por que falar em inveja? Tudo o que se deseja e não se pode ter produz a inveja, o recalque? Separar o masculino do feminino é uma conduta necessariamente intencional de Freud. E estabelecer entre dois seres complementares um muro, por assim dizer, denota um curso que, Jung já suspeitava, voltava-se a produzir um hiato de autoridade. Todo hiato mira em uma certa síntese de correspondência, por mais Freud não quisesse admitir que, ao desenvolver essa linha explicativa, estava projetando uma necessidade dele próprio submeter a mulher, lançando uma afirmação tão facilmente desconstruível.
Todo homem, toda mulher, quer filhos? Alguns não. Mas muitos, sim. Neste caso, não querem apenas filhos: querem engendrar circunstâncias para resgatar aquelas nas quais foram engendrados. A sobrevivência da espécie pede isso, muito mais do que o sexo, o motor que produz encontros: a lacuna do sentimento paterno e materno alimenta nossa vontade. O afã de se tornar usina geradora de um amor altruísta, inesgotável, acena por detrás do prazer biológico, a plenitude de ser a fonte. O prazer do toque paterno e materno, livre de tabus e libidos, são a primeira experiência corporal que tivemos, e precisamos tornar a isso, amplificando a proporção do toque. Nisso também a autoafirmação: ser pai ou mãe é uma nova maneira de estar no mundo fervilhante de instabilidades, cheio de eventos além do nosso controle. O conforto que os chineses denominam bem: “hao”, no ideograma do mandarim, é feito da imagem de uma mulher, “nü”, com um bebê, “zi”. Maria e o menino Jesus também é uma das imagens mais reputadas, se bem menos antiga, correspondente, na cultura latina, à representação do “bem”. O retorno ao lar desde uma nova perspectiva.
Então por que há homens e mulheres que se dedicam a afazeres fugazes, que usam uns aos outros e, tão logo estejam satisfeitos, ou encontrem perfil mais atrativo, se despedem? Afinal, o grande vazio aberto por ter sido alvo de afeto paterno e materno, já na vida adulta, impulsionaria a tendência contrária, a convergência ao estabelecimento, a vontade de permanência, a monogamia dos cisnes, construída da satisfação de ter apenas um foco dos próprios afetos, a partir do qual se direcionam e refratam os afetos a todos os demais alvos. Fosse esse o motivo que move o ser humano, o indivíduo, a família e a civilização não seriam, então, mais estáveis?
Há tantas explicações possíveis quantas pessoas existem no mundo, pois cada trajetória narra eventos particulares, traumas, incompatibilidades, devoções, personalidades diferentes. Uma generalização talvez perdesse a dimensão humana dos acontecimentos que enriquecem a vida com experiências. Seria também diminuir ingenuamente o enorme peso com que a cultura e os valores coletivos deslocam e manipulam os desejos dos indivíduos.
O que se observa é que, especialmente nas comunidades mais violentas, havia durante certo tempo a crença de que não se deveria atender um bebê sempre que chora; parte das famílias deixava o bebê, inconsolado, tornar-se inconsolável, até que sucumbisse ao sono na sua dor, fome, ou desconforto emocional e físico. O resultado é que nem todos experimentaram o conforto do amor paterno e materno durante a primeira infância, nem todos puderam contar com o toque amoroso desse instinto inestimável. Outros, experimentaram o temível amor parcial paterno e materno, de ter nascido em um contexto indesejado; e não deveríamos descartar, ainda, os desconfortos e as turbulências muitas que as crianças vivem, nos primeiros anos de existência, no seio de um casal desarmonizado. Na vida adulta isso prossegue: como não sabem o que é o sabor dessa paz e conforto, no seio do bem em seu estado mais puro, nem o experimentaram, não sentem falta disso: nem têm como buscar engendrá-lo, senão por obra do acaso, ou da piedade divina.
O caso mais típico: o jovem que busca encontrar uma namorada cujas qualidades atendam às expectativas de seus amigos, ou familiares. Ele dificilmente experimentará a delícia de encontrar alguém que dialogará com ele em tempo real e que o terá no centro de seus afetos. Procedendo em função do que estipula o seu grupo, ele se deixa manipular e se anula como pessoa: passa a habitar um mundo no qual ele é um desconhecido para si mesmo. Depois irá buscar companhia nos braços de outra pessoa que eventualmente perceba a sua existência e demonstre empatia com os seus dilemas, mas a culpa lhe impedirá de colher todos os benefícios do encontro de amor. Dante descreveu essa situação com maior precisão no Vale dos Ventos, o segundo círculo do inferno. As paixões ilícitas não permitem alcançar a estabilidade necessária para o gozo do verdadeiro deleite, nem a saciedade: as almas recebem continuamente golpes de ventos fortes.
Afirma-se em geral que os homens seriam mais propensos ao adultério, por ter uma natureza em tese menos monogâmica, mas: não se deveria descartar a considerável evidência de que os homens, com talvez maior frequência do que as mulheres, deixam-se levar pela exigência de padrões estipulados pelo grupo social de referência, para autoafirmar-se; e que também as mulheres, quando se veem colocadas em simulares circunstâncias, enfrentam os mesmos problemas que os homens.
Neste sentido, sendo uma mulher avulsa, chegam por vezes até mim os navegadores com desejos a ser atendidos. Da saciedade de se tornar fonte de si mesma, por meio do inesgotável amor pelos filhos, talvez surja um efeito de atração pelo que busca o meu semelhante. Muita alta estima? Nada disso… De suportar o peso da realidade. Mas tamanho é meu gosto em propiciar que alcancem um similar estado, que decidi me consagrar a Santo Antônio. Tornou-se um prazer ser a figura que aproxima, que dá motivo de aprofundamento da vida do casal um para o outro, e também na decisão de ter filhos.
Não se trata de ter grandes virtudes. Talvez o lado feminino se veja pressionado a se desfazer de seus receios, para corrigir uma atitude de instrumentalização do homem, de auferir benefìcios, por meio de exigências, ao perceber a presença de qualquer outra mulher disponível. Ou talvez o desejo que um homem desperta em mim, na distância se transborde em desejo de outra mulher que, mais próxima dele, o satisfaça. Tenho muitas hipóteses, inclusive a de dirigir afeto e operar a não-interferência. Os casais vão se formando, retomando; e alguns até frutificaram em filhos. Repousar sobre eles o meu olhar de afeto é um êxito consolador, como a plantinha que cresce quanto mais se olha para ela, quanto mais se dá alimento. Por vezes é neste domínio do estudo e compreensão de afetos que se completam as poucas peças do quebra-cabeças que faltavam para que as pessoas sejam mais felizes.
Agora eu retorno para o meu problema, um novo problema poético, de alta complexidade. Um homem que vinha em meus sonhos se anunciava como meu e entregava-se aos meus cuidados; com tamanha força expressava a sua dor e choro, pedindo ser liberado do que o oprimia, que despertei no meio da noite com seu desespero e fui buscá-lo na realidade. Atribuí a outrem. Mas agora ele surge real e nítido, diante dos meus olhos, como se surgisse para me dizer que me equivoco tão facilmente. E o conhecia! Por que eu o havia esquecido? Havia algum tabu que não tivesse sido removido, como um véu através do qual não poderia enxergar sua identidade, nem encontrá-lo dentro das identidades que eu guardava em minha memória?
Outro problema que não consigo resolver é o desnível da situação entre o homem que me apareceu em sonho, um homem desesperado; e a realidade, um dândi muito tranquilo e bem postado. Pois na realidade não parece preso a nada, por nada, nem precisar de mim: pelo contrário, parece ter suas distrações e estar em situação muito melhor do que a minha.
O que fazer disso, da memória de um sonho elucidado pela realidade?
Talvez a questão deva ser reformulada: não por que sonhei estar desesperado um homem que, na realidade, encontro bem e saudável. Mas para quê sonhei. O fato é que, desconhecendo a identidade dele - por falta de memória, ou falta de visitar o inconsciente - eu me pus a preparar diversas iniciativas para buscá-lo na realidade e aliviar o sofrimento de homens que tivessem sido injustamente presos. Distribuí milhares de santinhos, cartas a arcebispos, cartas a autoridades. Por ter sido atormentada em sonho pelo sofrimento de um homem que não encontrava.
Um tempo longo e de muito trabalho, mas não parece ter sido um trabalho perdido. Os católicos têm em alta conta algo que os cientistas prefeririam definir como um resíduo de teorias e funções que não conseguem explicar… O Espírito Santo. As obras dessa entidade não costumam ser lineares e tomam tempo para fazer algum sentido. Os sonhos talvez sejam o artesanato divino de conectar as pessoas, suas necessidades. Ver na realidade algo lindo visto em um sonho é um dos eventos mais mágicos que já experimentei.
Seria o sonho, de outro modo, um prenúncio? Jung tendia a acreditar que era possível vislumbrar futuros possíveis por meio do sonho, obter sincronicidades, antecipar acontecimentos - ele próprio teve uma visão da II Guerra Mundial. Parece de todo modo muito pouco provável que o homem com que sonhei, em desespero, pudesse vir a ser preso no futuro; se bem eu também julgava minha vida muito pacata algo imperturbável. Certos ambientes não deixam de refletir as disputas entre jagunços que eram contadas pelo Embaixador Guimarães Rosa nos seus romances, e a política sempre foi um ambiente instável. Mas visto está que não corre nenhum risco nem parece poderá algum dia estar sob nenhum tipo de opressão para necessitar ser libertado, ou salvo.
Terá feito qualquer diferença, o trabalho que fiz, as orações distribuídas? De modo que, assim como levaram dois anos para que eu finalmente encontrasse pessoalmente a figura de olhos azuis com que sonhei, em perfeito estado, não em desespero, talvez tomem alguns anos mais para compreender por que sua figura me despertou há quase dois anos, no meio da noite, com um sofrimento tão grande, a ponto de me colocar em movimento.
Recusar o que estava no domínio inconsciente, preterir em função da racionalidade, do que livremente se escolhe? Não tenho por que esquecer. Tantos amores me sorriram, acorrendo ao meu privilégio - e boa sorte - de ter e querer mais filhos. Acorrem muitos desejos ao meu colo. Com a mesma afeição, me deixaram viver em paz, em convívio esplêndido. O tamanho do desejo do outro sempre foi menor do que o meu. Não que todas as experiências ditem o que se pode experimentar: sempre haverá algo novo, felizmente. Ver na realidade o homem que sonhei, e perceber que o conheço… E notar que parece bem, e não terrivelmente oprimido, como no sonho do qual me fez despertar.
Ao menos o outono em Belgrado é uma estação como não poderia ter visto antes: tudo na cidade se tornou especial e ganhou um movimento que eu seria incapaz de descrever, ainda que fosse poeta capaz de realizar maiores talentos. Há uma lareira no peito, enquanto caminho.
Alguns arriscarão dizer que eu caminho para o inferno - o lugar onde se deixa toda esperança, esperança talvez de me defrontar com os meus próprios desejos, encontrar o homem que desejo. Mas creio que já refleti suficientemente, em texto anterior, sobre as fartas evidências, nos mesmos textos que informam sobre a existência do inferno, que o inferno estará vazio. Fato é que abandonar toda esperança apenas se torna inferno quando se vive em função de si mesmo, e não quando se peca nisto ou naquilo. O paraíso é felizmente feito do contrário, a consciência expandida de não mais viver em função de si mesmo, mas uns dos outros.
Deixo mais um poema para distrair os leitores, pois penso que a poesia por vezes nos serve tanto quanto o sonho: também faz aflorar o que está oculto e faz dialogar o consciente como inconsciente, por meio da linguagem e do que é simbólico. Poucos gostam de poesia, da linguagem direta e simples, que revela… Por que preferem o prazer do encontro permaneça em uma linguagem oculta, quando o sabor do encontro é infinitamente maior, em linguagem aberta? Quando Adão e Eva colocam sobre si folhas de parreira, com vergonha de Deus, inultimente, para todo efeito, é quando têm de deixar o paraíso…
Soneto CCCXLV
Como seria bom ver só ponteiro das horas,
dos dias, dos meses e dos séculos
E habitar no teu peito sem nenhuma demora,
segurar teus braços, tirar meus óculos .
Como seria bom ter palavras que escreves
com minhas mãos, feitas durante o meu sono
E despertar com teus olhos, meus donos,
a realidade feita do que o sonho prescreve.
E eu ficaria um pouco confusa,
de te ver assim, disposto em minha frente:
Semblante que eu havia antes sonhado.
Alguém navegando um rio azul, afinal existente
Achando quem não se lembrava, deste lado.
Alguém que não me olha como quem me usa...
A. P. Arendt . Sonetos para viver de amor.
Imagem: Cacio Murilo. Cisne em Zurique.
* Cientista política, poeta e diplomata brasileira
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