seca em brasília
- Ana Paula Arendt
- 27 de ago.
- 2 min de leitura

Florada de ipê amarelo
Ana Paula Arendt
Quando o chão se levanta na seca
com raízes sedentas salientes e pó cinabre,
a chuva se discorre pela ausência,
o lago abundante ignora a desigualdade.
Nossos narizes sangram e os lábios racham,
as árvores se retorcem fazendo resistência,
o Sol sem filtro escama nossa pele
como a de lagartos e retirantes.
Neste tempo Brasília é sertão e deserto,
o cerrado se presume apenas pelo anúncio
de algo que ainda não veio.
A seca sequestra, passageira
cada segundo que não se transcorre,
instante que faz o céu ainda mais azul,
pedaços de jardins onde evapora a umidade.
Mesmo assim pedes que tudo fique,
que o pássaro não voe embora,
que a árvore aguarde o tempo de dar o fruto,
que o meu rosto permaneça no teu peito.
A seca ouve o teu pedido
ornada pela florada impossível
de todos os ipês amarelos.
As flores amarelas atendem ao teu chamado.
Por que os ipês nos dão tantas flores
quando não há absolutamente nenhuma água?
Concerto de todos ipês ao mesmo tempo….
Gesto contra a crueldade da estação desconsiderada.
O teu sorriso é o maestro das flores impensadas.
É a flor do pensamento de certeza,
pois em breve, quando a tua terra clame
virá a grande delícia das primeiras gotas,
o aroma de terra saciando a sede,
a água tombando em grandes cargas...
A estação de seca nos ensina
que a palavra esperança é feita de espera.
Cada instante interminável em que
pedra, árvore e bicho calam
serve para aumentar o petricor,
o frescor sereno da chuva
subindo cristalina em nosso rosto.
Sem a seca, não haveria o néctar
que sai do coração das pedras...
A. P. Arendt. A Montanha Negra.
Imagem: Ipê Amarelo, fotógrafo Sérgio Lima, Poder360.
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