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Oficina de poesia no Espírito Santo



No dia 26 de maio deste ano tive a honra de conhecer os alunos da Rede Pública do município de Domingos Martins, no estado do Espírito Santo, campeões do IDEB em 2016. Domingos Martins é um pequeno município no meio do mar de morros capixaba, colonizado por alemães, pomeranos, italianos e holandeses. Por essa razão, a cidade é cheia de referências à cultura alemã.


Estive a convite da Biblioteca Municipal, dirigida por Ana Maria Silva, bibliotecária e bibliófila, para realizar uma oficina de poesia e uma palestra vocacional sobre a carreira diplomática. Foi também ocasião para doar alguns exemplares de seis livros de minha autoria à Biblioteca e para participar de uma roda de leitura sobre Cortázar.


A Biblioteca de Domingos Martins já acumula dois prêmios à frente de projetos sociais para integrar a comunidade, tendo sido reconhecida este mês como Biblioteca Inovadora na América Latina pela ONG Recode em Santiago, no Chile. No ambiente interno, que se assemelha ao de um casarão germânico, há muito contato visual com a natureza. Os próprios moradores cuidam do jardim e da cozinha como voluntários. As crianças, jovens e adultos circulam livremente, relaxam lendo livros e planejam festas, realizam encontros de grupos de estudos para o Enem e desenvolvem outras atividades de capacitação tecnológica. A Biblioteca também se tornou um ponto de encontro de alunos e moradores, pois mantém atividades literárias regularmente, inclusive nas sextas-feiras pela noite e pelos sábados, em parceria com professores das escolas públicas locais. Há, também, um acervo privilegiado de obras originais em alemão e em alemão gótico, cujas origens remontam à II Guerra Mundial.


Os alunos cantando e declamando durante o sarau, quando escreveram juntos o soneto "Muralhas perguntam"

As crianças que participaram da oficina de poesia declamaram vários poemas, tocaram músicas de Ana Villela e de Vinicius de Moraes, e inclusive recitaram versos de autoria própria. Também tivemos oportunidade de elaborar um soneto, inspirado pelo encontro entre os alunos, professores e moradores que frequentam o espaço.

Muralhas perguntam

Por que de tantos lugares surgiu este?

Por que o destino me trouxe aqui?

Logo aqui, neste lugar que o vento veste

O vento leste que sopra de onde eu nasci.

Aqui eu não sei explicar, só sonhar

A canção eu não sei para este acorde

O coração apenas me seja o norte

Que sorte! Ter montanhas pra gente olhar...

Mulheres muralhas quietas, verdes e pensativas

Circundam água e minhas pedras escondidas

Talvez me trouxessem para ver seu chuvisco?

Mas não me perguntaram se quero aquilo ou isto

Justo a mim, que evito respostas sem nenhum medo

Prefiro imaginar perguntas e guardar meus segredos.

Alunos de Domingos Martins, sarau poético de 26/05/2017.


A Diretora da Biblioteca, Sra. Ana Maria Silva.


A devotada professora Patricia Saibel.




Numa sexta-feira, vários alunos estavam animados em ouvir e declamar alguns poemas de Ana Paula Arendt, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Petrarca, dentre outros poetas.


O prédio da Secretaria Municipal de Educação, o mais bonito da cidade.


A Biblioteca Municipal, meio à paisagem preservada da região.


A fachada vista do lindo jardim.


O acervo preservado em língua alemã e em alemão gótico.


O Sr. Franz Haese Neto, jovem violinista e descendente de pomeranos. Na cidade, os moradores falam tanto o dialeto pomerano quanto o alemão entre si.


As crianças à vontade no amplo espaço do prédio da Biblioteca Municipal.


Janelas e arte Bauer são comuns nas fachadas.


A vista do segundo andar da Biblioteca.


O mosteiro de Nossa Senhora da Penha, entre Vila Velha e a capital Vitória, de onde vieram alguns dos participantes da Oficina de Poesia, e que também frequentam as atividades da Biblioteca.

Confira aqui a íntegra da palestra vocacional sobre carreira diplomática.

“Sobre Diplomacia”

R. P. Alencar

Uma reflexão sobre nossa diplomacia, para as crianças e jovens da Rede Pública de

Domingos Martins, Estado do Espírito Santo.

Os diplomatas costumam saber de cor a nossa função: representar, negociar e informar.Em primeiro lugar, o diplomata precisa estar apto a transmitir uma imagem positiva do Brasil no exterior, junto aos seus interlocutores estrangeiros. Positiva nem sempre significa perfeita: muitas vezes uma imagem positiva depende de se ter autocrítica, de transmitir o que somos realmente, e não uma fantasia ou algo ilusório, pouco confiável. Portando eis aí a primeira função do diplomata: saber transmitir quem nós somos. Dá trabalho: o diplomata tem de traduzir a outras línguas e culturas a nossa identidade profunda, por meio das suas atitudes, da forma como se coloca em uma conversa e confraterniza, por meio do que ele diz aos seus interlocutores e da forma como pensa.

Em segundo lugar: o diplomata costumeiramente precisa ter habilidade e vocação para o negócio: afinal, por que nós estamos tendo esse trabalho de largar nossos lares, nossas famílias e amigos para nos fazer representar no exterior? Para trazer benefícios em interesse maior do nosso País, é claro. Às vezes interesses deste ou daquele segmento do setor privado que podem suscitar e sustentar crescimento econômico, mas sobretudo benefícios que possam se estender para toda a nossa população. Quem determina qual o resultado, o benefício que devemos buscar? Pela Constituição Federal, é o Presidente da República quem define a política externa, com a aprovação do Congresso. E a Política Externa é isso: o resultado que devemos buscar, e também os caminhos e os métodos por meio dos quais os agentes de política externa, entre eles os diplomatas, devem se valer.

Como nós somos uma democracia, nem sempre há consenso sobre quais resultados e vias para obtê-los são mais importantes para promover o interesse do nosso País; contudo, também por esse aspecto democrático, quem decide é quem vota, a maioria dos eleitores, seguindo as regras eleitorais. Portanto vocês, que estão aqui, se já têm mais de 16 anos, e já votam... Ora, então já definem a política externa que nós vamos negociar lá no exterior. Sabiam disso? Cada candidato a Presidência tem diferentes propostas; e os deputados e senadores que integram o Congresso, nos quais vocês votam, também. A nós, diplomatas, cabe sempre responder hierarquicamente a nossos Chefes, e nossos Chefes respondem aos Embaixadores, e os Embaixadores ao Ministro de Estado... E o Ministro de Estado, o Chanceler, responde ao Presidente da República, que por sua vez responde ao Congresso, que representam, por sua vez a vocês, que são quem afinal definem a linha mestra que temos de seguir.

Então o diplomata tem que saber discernir na linha de política externa as diretrizes em que todos devem se empenhar, a fim de, fazendo uso de suas capacidades, obter o melhor resultado em uma mesa de negociação. É preciso saber contornar, aparar arestas, determinar textos com precisão, às vezes procrastinar, às vezes seduzir seu interlocutor ou pressioná-lo.

O Embaixador Jorio Dauster, quem renegociou a dívida externa brasileira na década de 1980, conta que naquela época os negociadores da outra parte já detinham uma ampla expertise sobre o assunto; eram hospedados em hotéis desconfortáveis, tinham o sono interrompido, passavam por situações de estresse desde o aeroporto, para que com o cansaço se tornasse mais fácil convencer-nos da aceitabilidade de termos desfavoráveis. Um grande desafio era saber discernir, então, sob cansaço, quais propostas poderíamos aceitar em nosso favor. A habilidade para negociar, portanto, também pressupõe uma grande resiliência e impassibilidade, embora não indiferença.

Por fim, nós também dizemos que a função do diplomata é informar. Por quê? Ora, nem sempre nós obtemos êxito em tudo; as circunstâncias mudam, nos outros países; novos representantes são eleitos; a política no cenário internacional, as alianças, também se alteram; a opinião pública flutua, dá cavalos-de- pau, porque sempre estão ocorrendo fatos novos. Então é igualmente importante ao diplomata que está implementando a política externa que esteja sempre muito bem informado e operante, fornecendo informações sempre que necessário, sobre argumentos ou obstáculos que possam ser levantados contrariamente à nossa condução. É preciso ponderar se vai dar certo, se não vai dar certo, se vai chover, se vai negar, se nós vamos chover no molhado, se vamos terminar sozinhos ou isolados em uma votação na ONU, se o isolamento é desejável em um movimento futuro... Dos Postos no exterior o Embaixador, ou o Encarregado de Negócios, por meio de seus diplomatas, envia telegramas para a Secretaria de Estado, informando e fazendo consultas. E a Secretaria de Estado pondera, faz reuniões, chama os principais atores envolvidos, enviando de volta as instruções. Esse é o trabalho do dia-a- dia.

Pode parecer trivial, mas é um ato de muita coragem informar. Por quê? Porque as autoridades, especialmente as mais altas, detestam más notícias. Por isso uma das maiores virtudes do diplomata é saber informar de um modo agradável. Contou meu paraninfo a anedota de Lord Balfour: certa vez um califa teve um sonho de que perdia os dentes. Perguntou ao primeiro sábio o que significava seu sonho. Aquele respondeu: significa que todos os seus filhos irão morrer, o sonho adverte uma grande desgraça! Eis que o Califa mandou decapitá-lo. Ao segundo sábio, perguntou novamente o que significava o seu sonho, ao que este respondeu: ó Majestoso Califa, é uma excelente notícia! Significa que Vossa Majestade terá a grande sorte de viver muito além de todos os seus descendentes e manterá o seu reino unido, cheio de riquezas! O califa então mandou condecorá-lo. Disse então Balfour que este era um diplomata. De todo modo, anedotas à parte, cabe ao diplomata que está em campo, no meio das animosidades que vêm e vão entre uns e outros, obter informações e transmiti-las com discrição e elegância. É quem define, dessa forma, o que é ou não possível de ser feito em nome de interesses mútuos.

Essas são as três principais funções do diplomata que me ensinaram, as quais tento aprender; porque tudo que na teoria é fácil, na prática é razoavelmente mais difícil. A minha experiência como diplomata não é tão grande, eu fui admitida apenas há 9 anos; ainda estou nos primeiros degraus, ainda não sei o que é o cansaço da via sacra de subir toda aquela escadaria imensa, que vai parecendo cada vez mais alta, cada vez mais difícil, a cada vez que você dá um passo adicional, vem um dia interminável a mais de vida, o deserto de Anfion, e já esqueci os nomes do primeiro e último volume de Stendhal, espero nunca ter de usá-los.

O que eu posso dizer dessa experiência? Considero que a função da diplomacia em geral pode ser representar, negociar e informar. Mas no Brasil nós temos uma tradição diplomática tão forte no Itamaraty que considero necessário ressaltar também outras virtudes. Parece-me que persistem três virtudes fundamentais que distinguem a nossa diplomacia brasileira como excelente.

A primeira virtude do diplomata brasileiro, eu arriscaria, é a de construir confiança. O que confere a nós a excelente oportunidade de sermos ouvidos, de ter nossas vozes levadas em consideração, é essa tradição de colocar o nosso interlocutor, seja ele quem for, norte-coreano ou norte-americano, numa posição digna de nossa profunda amizade. Pois criar confiança é isso: ser amigo. Estar por perto, conhecer a sua realidade, dar a mão quando o outro vacila, não falar mal pelas costas. Ou falar mal combinando, apenas para você estar no centro das atenções... O Brasil é amigo de todos os países: foi isso que me ensinaram. Por isso, quando o outro precisa, eu dou a mão. Geralmente as pessoas são desconfiadas e fazem cálculos: e se eu der a mão, o meu interlocutor se levantar, ele não poderá se tornar meu adversário? A diplomacia inglesa, por exemplo, pensava assim. A posição da Inglaterra, como uma ilha, implicou em uma política externa voltada para dividir a Europa por muitos séculos. Se havia guerras, eles julgavam um mal necessário, para que nenhum país da Europa continental os oprimisse ou tentasse dominá-los.

No entanto, nós aqui no Brasil não fazemos assim, temos uma posição distinta quanto aos vizinhos, práticas distintas. Quando a Bolívia precisa de ajuda para se desenvolver, nós ajudamos a Bolívia a se levantar. E fazemos com muito gosto, e o mesmo com os nossos demais amigos, Argentina, Uruguai, Paraguai e tantos outros com os quais temos fronteiras há tanto tempo sem nenhum tipo de conflito. Assim é, por que não há razão para conflito. Na diplomacia brasileira, observo que empenhamos muito esforço em construir confiança com o país estrangeiro no qual a gente se relaciona. Até hoje, e com sorte no futuro, também se confirmará que construir confiança é um caminho importante para manter a paz e a amizade.

A segunda virtude: dialogar com nossos amigos. Por que nós vivemos em paz com nossos vizinhos e somos ouvidos em tantas partes? Por que não cessamos de buscar que o outro país, na figura de seus representantes, diplomatas, políticos, técnicos com que lidamos, estejam satisfeitos. E como se satisfaz alguém? Conversando; dialogando; descobrindo o que está incomodando o nosso amigo, o que é preciso para que ele esteja contente. Esse diálogo exaustivo, de estar sempre buscando evitar e resolver mal-entendidos quando eles acontecem, colocando quais são os nossos limites, demonstrando com gestos concretos de aproximação as nossas intenções de alcançar bons resultados mútuos, é sem dúvida um traço diferencial da diplomacia brasileira. Por dialogar não presumimos ceder, assumir prejuízos sozinhos, muito pelo contrário: significa buscar caminhos pelos quais podemos construir novas possibilidades,

concedendo ao outro a mesma importância que você concede a si mesmo; entender que também o outro tem suas necessidades para as quais nós podemos contribuir. Dialogar, construir pontes entre duas margens separadas, seja por um rio de lamúrias, ou por um abismo de indiferença, é o caminho mais pragmático, porque nenhum país se desenvolve sozinho. E para que os nossos interesses sejam atendidos no exterior, é muito mais eficiente que o nosso interesse seja defendido com o apoio do nosso interlocutor, não é verdade?

E por último eu consideraria como uma qualidade incomparável da nossa diplomacia brasileira a busca pela Justiça. Não a justiça com letra minúscula, a que se dedica a criarpendengas de um lado para equilibrar picuinhas de outro, como se toda situação resumisse dois elementos adversários, de oponentes; não. A diplomacia não trabalha apenas com dois lados; nem com adversários. Ainda que estejam apenas dois interlocutores negociando em uma mesma mesa, eles representam muitos lados. A realidade é assim! Multifacetada, quadridimensional. O seu vizinho hoje pode ser o seu colega de trabalho escolar amanhã; a sua colega de turma amanhã pode ser a sua médica, o seu irmão, uma testemunha num momento de crise. Também funciona assim com os países. E pergunto: desde quando um lado estará satisfeito com o equilíbrio de uma balança, se ambos são adversários? Se os lados são adversários, apenas estarão totalmente satisfeitos depois que o outro for eliminado. Portanto esse não é o caminho da Justiça, ao menos não aquela necessária para garantir a paz. A Justiça que é almejada no nosso fazer diplomático é dar a cada um conforme o que lhe cabe.

Por que você está insatisfeito? E o que cabe a você, e o que cabe a mim? E se estou tão insatisfeito, por que você, que é meu amigo, está satisfeito? Por meio do diálogo, o diplomata brasileiro indaga e recebe a resposta, porque construiu a confiança necessária para ouvir a real razão. Por causa dessa propensão ao diálogo muitas vezes os diplomatas brasileiros foram não apenas gozados por naïvité, é verdade, até mesmo explorados no curto prazo. Mas por outro lado foram também escolhidos por demais países para gerenciar crises, organizações e propor soluções, até mesmo ajudar a decidir a isenção de eleições acirradas, porque comprometidos e dignos de confiança. Há algo de belo e singular na vontade de diálogo, na pureza dos sentimentos que emanam do desejo de estabelecer uma confiança mútua, ainda maior quando o diálogo se origina de circunstâncias difíceis ou em momentos de catarse. E ocorre que as pessoas preferem a beleza à feiúra; daí a sinergia inesgotável com que a diplomacia brasileira se reconstrói, se redefine, se inova.

De onde tirei estas três virtudes? Eu tive a sorte de poder observar meus colegas trabalhando, dizendo, propondo. Notei essa diferença, também, pela cobrança da parte dos mais velhos de que também nós, diplomatas mais recentes, almejemos desenvolver essas virtudes e capacidades. Há a herança feita de experiência, com que cada um deles nos abençoa. Um Embaixador, já quase aposentado, numa palestra quando eu era uma caloura no Instituto Rio Branco, disse assim: “jamais prometi algo que eu não pudesse cumprir. Eu era sincero”, ele dizia, “sincero”, repetia, mesmo em foro multilateral: “além deste ponto que você está propondo não posso ir, porque é contrário ao interesse do meu País”, ele tentava nos fazer entender. Assim ele foi eleito Alto Representante da ONU para o Desarmamento: pela sua virtude, não apenas por troca de votos. Do mesmo modo, outro Embaixador nos contou ter dito assim a seus colegas Representantes Permanentes de outros países, que o elegeram: “não entendo porque vocês me elegeram para ser Diretor-Geral, depois de ter sido tão duro com vocês!” Ele não sabe, mas entre os seus pares se dizia que embora fosse severo com os demais, era ainda mais severo consigo mesmo. Parece-me, portanto, que meio aos percalços, há sempre de se buscar um ideal de sinceridade e de disciplina superior ao que se tem.

Existem também alguns desafios que colocam a diplomacia em apuros. Ora essas, meio a esse exercício de lealdade, sinceridade, disciplina, quando tudo está no meio da confusão do mundo e as verdades se relativizam e as pessoas discordam, você deve obedecer à ordem superior ou cumprir com algum compromisso prévio, que o outro ainda percebe em vigor? Deve desconfiar e deixar de agir, ou mover-se em direção ao compromisso de um relacionamento? A tradição diplomática é ciosa da hierarquia, mas também é função do diplomata ponderar. Como você enfrentará o seu interlocutor no dia seguinte? Como caminhará o mundo se nenhum país honrar seus acordos, ou escolher pela força quais acordos quer honrar? Nem sempre é fácil pensar, julgar, agir; e ser diplomático é muitas vezes ser hábil e ambíguo o suficiente para manter sua margem de autonomia. Diz um ex-Diretor do Instituto Rio Branco que a diplomacia não é história, cerimônia nem ciência, e sim uma arte.

Vejo ainda na nossa diplomacia um grande amor ao serviço público, a fazer o que é correto. E o que é correto? Construir confiança, dialogar antes de decidir, manter o primado do Direito. Obteremos com isso, apenas com os nossos valores, resultados concretos? Temos obtido: prestígio, honra, dignidade. As dificuldades decorrentes de nosso afeto também nos aproximam de quem viveu experiências semelhantes e delas surgem novas amizades. Parecem-me excelentes resultados da coragem de buscar essas virtudes.

Nós sabemos que essas virtudes contribuem não apenas para a paz no cenário internacional, no qual o Brasil se insere. Sabemos também que é essencial para não nos deixarmos mobilizar por discursos cáusticos que não visam à construção ou à cooperação e que em nada acrescentam ao bem-estar conjunto. São essenciais para manter a visão clara e também em qualquer grupo de pessoas, nas nossas famílias, na escola em que vocês estudam, na rua em que moramos... A diplomacia é essa arte de prevenir e curar, com palavras, a intolerância e a violência.

Especialmente a violência que parte de nós mesmos, quando nos negligenciamos; e se ela se estabelece da iniciativa de outrem, também sou testemunha de que a nossa diplomacia não se furta a repelir com altivez e veemência qualquer tipo de agressão à nossa integridade. Até mesmo porque temos os belos versos do Joaquim Osório Duque Estrada, o compositor do nosso hino, quando escreveu “mas se ergues da Justiça a clava forte/verás que um filho teu não foge à luta”.

Por fim, restaria falar que a carreira diplomática no Brasil exige uma uniformidade de atitudes, mas também admite uma pluralidade de caminhos. Há diplomatas que foram e são grandes intelectuais, historiadores e acadêmicos, como o José Guilherme Merquior, Paulo Roberto de Almeida, Eugênio Vargas, Synesio Sampaio, Sergio Danese e Sergio Rouanet, e sua esposa Barbara Freitag; há aqueles que se fizeram notar na política, criando novas instituições, como Roberto Campos, Flecha de Lima, ou oferecendo uma voz crítica, como o Arthur Virgílio Neto; e ao próprio Barão do Rio Branco foi cogitado diversas vezes que desempenhasse funções políticas. Há grande juristas, como Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e Gilberto Saboia, há grandes diplomatas multilaterais, como Graça Aranha, quem teve a honra de anunciar a criação do Estado de Israel, José Maurício Bustani, rondoniense como eu, e Seixas Corrêa, ambos ainda vivos. Há os diplomatas técnicos da área econômica:o Embaixador Roberto Azevedo, que foi eleito Diretor-Geral da OMC, e Rubens Barbosa, que cuida da Fiesp e do setor privado, também na ativa. Há escritores notáveis, como Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Vinicius de Moraes, postumamente promovido a Embaixador, dentre tantos outros poetas que tenho o privilégio de conhecer e que ainda são vivos e produtivos. Há também os diplomatas aventureiros, menos conhecidos do público, como o Embaixador Carrilho, Embaixador Papepinto, cujas histórias enchem os corredores de folclore, e já fizeram um Chanceler chorar num discurso de formatura. O Embaixador Carrilho plantou a árvore de pau-brasil que fica de frente para o Gabinete, no Palácio Itamaraty, e abriu o nosso Posto em Pyongyang, faleceu há alguns anos, é adorado pela minha turma. Ele costumava dizer que a diplomacia é como a cachaça: difícil de largar. Há diplomatas colecionadoras de arte, e um Embaixador que tem todos os livros e todos os artigos que já foram publicados no mundo inteiro sobre Talleyrand, o Príncipe que inventou a diplomacia moderna. Há também um Ministro que coleciona lápis. Ele explica que é tão importante quanto; porque o importante é ser feliz...

Há também a Embaixadora Maria Luiza Viotti, quem costumava lidar com Direitos Humanos.

Dessas várias linhas, é difícil escolher qual a mais relevante, porque todas elas impregnam valores importantes no modo como fazemos a diplomacia; todas favorecem que o Brasil possa encontrar no exterior oportunidades. A minha favorita, é claro, é a linha literária, não apenas porque ela ofereça uma infinidade de caminhos tão grande quanto o escritor possa imaginar, mas também porque me parece que a literatura, e em especial a poesia, são fonte de sentimentos duradouros, base da construção de confiança mútua, sendo capaz de mudar situações de uma forma muito contundente e eficaz. Com alguns poucos versos bem-humorados podemos em certas ocasiões desarmar a rigidez de quem se faz adversário.

E o que é a poesia? Pode ser tudo que nós quisermos. Pode ser o cheiro das panelas cozinhando no fogo, ou o perfume da sua mãe. Pode ser as mãos grossas do seu avô, uma sereia cantando no seu sonho, pode ser um segundo em que um colega procurou ver o que há nos seus olhos. Numa só gota de lágrima pode caber o oceano e um poema. Pode ser também o passarinho chiando na árvore que fez chover, quem sabe? E sabe-se lá se as árvores falam, quando se entortam podem dizer alguma coisa. A poesia pode ser o que você esperava que fosse, e não é.

Para mim a poesia, quando escrita de uma maneira espontânea e com a verdadeira doação do corpo e da alma do poeta, consagra a amizade com o mais lindo presente, que é amar com tudo o que há em si. Às vezes há coisas boas que guardamos dentro de nós mesmos, às vezes nem tanto, porque o mundo é cheio de circunstâncias, e nós, sendo parte dele, assimilamos o que está ao nosso redor. Mas justamente por essa razão, a poesia pode ser um reflexo fidedigno de nós mesmos, e não por menos muito do que entendemos ser coletivamente vem de algumas linhas poéticas que, pela sua melodia, ressonaram desde que o Brasil começou. Assim como a diplomacia, a poesia também une e constrói mundos nos quais nós podemos partilhar nossa experiência.

Posso então confirmar a vocês, tendo em vista tudo o que coloquei aqui, que a carreira diplomática é menos simples do que fácil. Há o ostracismo mandatório, a necessidade de atingir patamares máximos de eficácia no trabalho com resiliência, nem sempre controlamos aonde iremos, onde estaremos, com quem estaremos, e mesmo para quem opta por linhas mais criativas, há barreiras difíceis de se transpor. Porque afinal, ninguém começa escrevendo como um Camões, ou discursando como Cícero... Petrarca e Bocaccio também foram poetas e diplomatas tendo sido este embaixador junto à Santa Sé, quando sofreu muitas críticas pela verve sarcástica. E quantas dívidas contraiu para divulgar sua obra, que nem sempre era feita de obras-primas... Ao final a Igreja quitou seus débitos e ele doou sua Biblioteca em retribuição. De todo modo suas palavras e referências clássicas permanecem na memória das pessoas, e com isso podem servir de referência ou contrapeso à cultura, ser parte da identidade de seu país.

Para as mulheres, a carreira diplomática é ainda mais difícil, porque há poucos homensque se voluntariam a acompanha-las sob quaisquer circunstâncias, como sói ocorrer com o sexo oposto. Isso por vezes pode ser uma fonte de frustração. Será prova de que nós, mulheres, somos mais altruístas? Também me ocorre que, a despeito de várias colegas minhas terem ganhado prêmios de literatura, poucas resolvem fincar o pé na ideia de que a literatura ou a poesia, como diz Neruda, é um ato de paz. Recentemente, o Itamaraty resolveu investir na ideia de promover maior participação das mulheres diplomatas. Os nossos colegas, para nossa grande felicidade, têm compreendido que queremos participar lado a lado, e têm se empenhado nisso, em nos tornar melhores no que fazemos e mais confiantes.

Enfim, podemos concluir que no cenário internacional, mantemos uma diplomacia de grande tradição em inovar-se; e eu me permitiria dizer, ainda, que mantemos uma diplomacia de igual tradição em corrigir-se. Daí nosso sorriso sincero. E disso decorre o reconhecimento e a saudação, a receptividade sempre imediata no exterior, nos organismos internacionais, que temos: “ah, você é brasileira!”... Sempre me lembro disso, dessas lições e memórias que sendo pequena, vou aprendendo, observando, recordando... Considero a nossa diplomacia brasileira uma fonte de imensa e eterna inspiração. Espero que vocês também."


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