em busca da Sanidade Mundial
Em busca da Sanidade Mundial
Ana Paula Arendt*
Transcrevo e traduzo aos leitores um trecho de entrevista do Professor Erich Fromm, importante psicanalista germano-americano nas décadas de 1950 e 1960.
A entrevista em inglês, concedida ao Sr. Smith em programa televisivo de 1960, pode ser assistida em
A obra à qual o entrevistador se refere, “A sociedade sã” (1955), encontra-se disponível em https://historicalunderbelly.wordpress.com/wp-content/uploads/2012/12/erich-fromm-the-sane-society.pdf .
Teço também alguns comentários pontuais sobre as ideias de Fromm à luz de nossa realidade atual. E ao final os leitores podem conferir o que Iaiá pensa sobre este tema (AI, ChatGPT).

O que penso da abordagem dele? O Professor Fromm critica o egocentrismo como uma forma de alienação que perpetua a insanidade coletiva; mas não escapa dele, ao sugerir que não haveria mais raça humana depois de uma guerra atômica Diversas sociedades escolheram se excluir da corrida armamentista e dos conflitos mundiais e, embora viessem a ser consideravelmente afetados por um conflito de maior proporção, não teriam a sua existência ameaçada. A vida na África, ou no interior das cidadezinhas da América Latina certamente continuaria em boa medida a mesma; boa parte das populações do que era chamado “terceiro mundo” continuaria vivendo desafios similares na adversidade cotidiana da sobrevivência.
Os exemplos que Fromm utiliza para denotar falta de sanidade mental naqueles que manuseiam armas atômicas também parece um pouco infantil, no sentido de que a competitividade entre os países implica que, se os EUA não se armassem, estariam à mercê daqueles outros países que escolhessem desenvolver esses armamentos, com seus governos autoritários. O senso de realidade que ele propugna implicaria compreender que os países se armam; e que, para defender uma ordem interna e a estabilidade das relações de poder entre os países, algum armamento se faz necessário, ao menos para dissuadir eventuais ataques daqueles que não estejam sãos. Se vis pacem, para bellum. Penso também haver uma certa infantilidade em ignorar que certas instituições estabeleceram mecanismos de recompensas para aqueles que desejam armar-se e dedicar-se ao conflito, para auferir ganhos de disputas dentro da sociedade e do governo.
Mas ele está falando para o público dele, o ocidental de classe média, engajado no pensamento contraditório de que, tendo o controle de armas atômicas para dissuadir ou contra-atacar, isso bastaria para garantir uma maior segurança a seus cidadãos, o que sabemos é falso. Ele se refere ao cidadão médio que subdelega a capacidade de pensar e de agir aos seus líderes, idolatrando o país, ou seu governo, para eximir-se de refletir sobre os desdobramentos desse problema.
É particularmente oportuno o que Dr. Fromm nos recorda nessa entrevista para nos prevenir do triunfo do fascismo em qualqueer sociedade: “Na verdade, todas as grandes normas, seja os 10 Mandamentos, os ensinamentos de Buda, ou os ensinamentos de Cristo, são normas de sanidade humana que se referem à existência humana, à humanidade, e todas elas se baseiam também na ideia de que a lealdade ao homem e aos valores do homem são superiores às lealdades a quaisquer sociedades dadas e aos valores que elas representam”, afirma ele. Para Fromm, uma mente sã poderia, sim, deixar de lado foros multilaterais e acordos internacionais e favorecer lealdades pessoais, para prevenir desentendimentos ou um conflito que ponha o mundo em risco.
A obra do Professor Erich Fromm é tida por alguns como de ideologia marxista, por criticar a reificação do homem. Tanto é assim, que Noam Chomsky é assíduo no comentário da obra dele. O objetivo da produção e do consumo, para Fromm, faz uma pessoa esquecer de si mesma e viver em função de uma materialidade externa; estirpa no homem o sentido da vida, transforma-o em coisa, naquilo que busca, e anula o seu bem-estar psíquico, a sua capacidade de permanecer bem sozinho e consigo mesmo.
Mas Fromm vai além do marxismo, abordando também a falha em ver a saúde mental como um ajustamento aos padrões de qualquer sociedade, seja capitalista, seja comunista – até mesmo porque os fins do comunismo também são estritamente materiais. Ele critica o stalinismo da mesma forma que critica o n4z1smo e o f4sc1smo, denominando-os “idolatria autoritária”. Quando esses padrões alienam o ser humano, com discursos de patriotismo e slogans, ele pondera que a sociedade passa a ser insana – e os indivíduos sãos precisam buscar um certo isolamento, para permanecer sãos.
No Brasil, seria algo muito longe do pensamento político marxista aplicar o pensamento de Fromm. Para ele, o esquecimento, esvaziamento de si mesmo – ou morte do homem, como ele afirma, no século XX, em contraste com a morte de Deus, no século XIX – concorre para idolatrar um país, líder, governo ou partido; mas essa ideia poderia ser aplicada tanto para o movimento de extrema direita, que busca instaurar um regime de exceção, baseado na violência, por meio de golpe militar, o que se tem identificado como bolsonarismo; como para o movimento de extrema esquerda, que busca instaurar o monopólio decisório de um partido único, por meios institucionais, o que se tem denominado comunismo. Ambos os movimentos políticos são autoritários, na reflexão de Fromm, porque relegam a um segundo plano – ou ao último plano – os valores da humanidade, das leis para preservar o ser humano. Colocam um objetivo de poder como prioridade e objetivo final – o silenciamento da política entendida como a busca do bem-estar coletivo, paradoxalmente.
Fromm também tem uma obra importante sobre a disfuncionalidade do indivíduo em não saber lidar com a liberdade, e considera o totalitarismo e o autoritarismo um refúgio de escape das pessoas que não têm consciência de si próprios, nem sabem lidar com os benefícios da liberdade. Neste ponto, ele critica Marx: “He did not recognize the irrational forces in man which make him afraid of freedom, and which produce his lust for power and his destructiveness”.
Fiquei, no entanto, um pouco desconfiada do pouco incentivo e pouco espaço que ele concede ao entrevistador/interlocutor para refletir e fazer perguntas, o que talvez reflita a limitação do espaço público de debate daquele tempo, na década de 1960. Mas isso não deixa de confirmar o retrato que ele sugere, de uma sociedade de baixa autonomia do indivíduo, que busca respostas e soluções fora de si, excluindo a si mesmo. Considero que um pensamento fechado e de raciocínios muito redondos, baseado em fundamento de autoridade, falha em apreender a complexidade da realidade que vivemos, a qual demanda ter muitas perspectivas.
Essa desconfiança me parece válida sobretudo quando o Dr. Fromm descarta como relevante a avaliação do próprio paciente sobre o seu nível de bem-estar. Eu não discordo que é preciso haver um mecanismo de avaliação objetivo que possa avançar a percepção do nível de consciência do paciente sobre a sua própria condição. Com certeza uma pessoa não deveria presumir ter alcançado bem-estar, se tem necessidade incontornável de tomar tranquilizantes, ou um drinque, ou algum tipo de evasão da realidade, para se sentir bem. Mas desconsiderar a importância do relato do paciente e sua visão sobre si mesmo é uma faceta extremamente autoritária do seu pensamento. Esse pensamento também flerta com o que é infalsificável, na vertente de Freud. Afinal, o lazer, a arte, a imaginação, são recursos importantes e nem mesmo o ser mais iluminado, como Buda e Cristo, ou os que sublimaram as restrições materiais, deixavam de se dedicar à imaginação de histórias e parábolas, a momentos de convívio e frugalidade, quando o bem-estar na realidade assim exigia. Cristo tomou um drinque com os amigos antes da crucificação, e ali produziu um discurso salvífico de valor incalculável. Ocorre que a Santa Ceia hoje é celebrada nas missas e recordada nos cultos como um monumento ao bem-estar, comer juntos, algo sagrado.
A medida que ele propõe de bem-estar, de permanecer tranquilo sozinho e não fugir de uma conversa, concordo que é excelente. Mas o que quero dizer é que mesmo esse conceito positivo de bem-estar não deveria ser tomado como uma medida absoluta. Todos os seres humanos, face a certas circunstâncias, podem reagir de maneira inerte, ou com irritação, ou irrigar-se de crises nervosas, face à perplexidade, à escassez, às intempéries e à adversidade extremada. Não conviria certamente manter interlocução com alguém que lhe acusa ou despreza, ou que esteja em crise, salvo seja o indivíduo um agente de saúde, ou por motivo de trabalho, por evidente. Presume-se que ele quer dizer faltaria bem-estar a quem não consegue permanecer sozinho, mesmo dotado dos recursos necessários para tanto; e a quem foge de uma conversa, por mais nessa conversa seja valorizado e acolhido. Feitas essas ponderações que o bom senso pede, penso que não convém afirmar um conceito de bem-estar absoluto; é preciso ponderar e conhecer melhor as circunstâncias em que a pessoa está vivendo e nas quais responde, antes de tirar qualquer conclusão sobre a sua sanidade. Toda perspectiva absoluta tende a redundar em um instrumento ineficaz para enxergar a realidade.
Além disso, o Professor Fromm, ao menos nestes dois livros, sobre a sociedade sã e o problema da liberdade, não aprofunda a violência como um mecanismo de escape. Por assim dizer: ele aborda a patologia da normalidade; e não a valorização da anormalidade, um fenômeno recente que temos constatado nas nossas sociedades, sobretudo nos ambientes virtuais. Ele aborda o problema da destrutividade em uma díade: a destrutividade leva ao sofrimento, a criatividade conduz à felicidade (p. 36).
Mas hoje esse não é mais um problema dual. Nos jornais e no cotidiano, o indivíduo médio precisa estar se satisfazendo constantemente, como observador e co-participante, em eventos nos quais indivíduos, instituições ou governos estejam agredindo, acusando, ou culpando alguém – esse alguém tomado por qualquer pessoa mais vulnerável que os demais, por diversas razões, ou carente de ajustamento; ou então por causa de uma identidade externa ao grupo – por ser estrangeiro, por exemplo.
O professor Fromm deduz o problema da destrutividade, entretanto, da alienação. A falta de desenvolvimento cultural não permitiria ao indivíduo saciar-se com princípios ou com o entendimento que a razão proporciona.
“Creation and destruction, love and hate, are not two instincts which exist independently. They are both answers to the same need for transcendence, and the will to destroy must rise when the will to create cannot be satisfied”. (p. 36)
“In observing the quality of thinking in alienated man, it is striking to see how his intelligence has developed and how his reason has deteriorated. He takes his reality for granted; he wants to eat it, consume it, touch it, manipulate it. He does not even ask what is behind it, why things are as they are, and where they are going. You cannot eat the meaning, you cannot consume the sense, and as far as the future is concerned—après nous le déluge! Even from the nineteenth century to our day, there seems to have occurred an observable increase in stupidity, if by this we mean the opposite to reason, rather than to intelligence” (p. 166-167).
A abordagem de Frommm não sugere que a violência, real ou discursiva, esteja de algum modo vinculada à necessidade do indivíduo em ignorar ou livrar-se dos seus próprios incômodos, e pudesse constituir, ela própria, uma das vias de escape. O professor Fromm atribui às vias de escape, em geral, um valor neutro ou do prazer imediato; e os resultados do recurso frequente a essas vias de escape seriam a alienação, ao que ele atribui o senso de patologia da normalidade.
O que nós temos testemunhado, entretanto, nestes anos, é a valorização da anormalidade, do comportamento agressivo e destrutivo, da patologia; e não uma patologia da normalidade. A ascensão da expectativa de que a anormalidade se estabeleça como uma ordem social parece também algo novo. Não é difícil ponderar que as sociedades que vierem a se degenerar de tal modo, estabelecendo uma nova ordem baseada na agressão, virão a se dissolver em uma estrutura social, política e econômica instável, como se dissolveram os regimes autoritários, alguns com menor, outros com maior período de expiação. Os Estados falidos e os narco-estados também se incluem nesse destino infeliz.
No contexto atual, talvez fosse um ponto de partida mais realista, perceber a anormalidade, a violência – acusação, perseguição, luta, agressão – como um escape, explicando a agressividade tanto pela saciedade temporária do predadorismo, como pela promessa de autopreservação; e não apenas abordar a destrutividade como resultado da alienação ou frustração do anseio criativo, ou a violência como uma patologia.
Não de outro modo tem se apresentado e buscado aceitação coletiva para o que se vem denominando “energia masculina” (sic), uma energia obsessiva, associada à vazão de instintos destrutivos; como se os homens não pudessem encontrar uma intensa e saudável energia masculina ao ser criativos, ao invés de destrutivos; ou como se as mulheres não pudessem ser destrutivas, e gozar também dos atributos dessa energia masculina, associada à agressividade. Por trás desse discurso, entretanto, encontra-se o fator do prazer na destrutividade. Essa talvez seja a mesma concepção de energia que a Federação Grega de Futebol levou em consideração ao expulsar Giorgos Katidis em 2013, e quando publicou que “A energia do jogador para saudar os espectadores como n4z1sta é brutal e afeta profundamente todas as vítimas das atrocidades n4z1stas, ferindo o caráter pacífico e profundamente humano do futebol. A Federação condena de forma inequívoca e categoricamente a atitude”.
Na psicanálise, a ideia de que a civilização, ao limitar os instintos masculinos de destrutividade, torna o homem infeliz, é associada a uma regressão psíquica: baseia-se na premissa de que a cultura e a arte não poderiam ser apropriadas pelo homem primitivo, e que o homem primitivo não poderia obter saciedade e propósito por meio desses bens culturais. E a cultura seria necessária para que se possa valorizar e se satisfazer de princípios. Isto dificilmente se compatibiliza com a realidade que observamos, na qual encontramos a pintura rupestre e as competições musicais nas favelas; ainda que nesses espaços não exista, por assim dizer, patrimônio ou prêmios de uma civilização supostamente avançada. O ato criativo sempre esteve associado a uma natureza divina e maior que emprestou o prestígio de suas características à natureza humana; mas mesmo os seres humanos mais primitivos auferiram satisfação e prazer do processo criativo.
Uma sociedade seria mais sã quando estivesse mais preocupada com a racionalidade em novas contratações e em distribuir bem os seus recursos humanos, ao invés de depreciar os recursos humanos e produzir demissões? Em administrar conflitos e tratá-los por vias diplomáticas, do que dar vazão aos instintos agressivos de maneira crua e direta? Em prevenir conflitos para registrar menos crimes e precisar de menos denúncias, do que em registrar mais problemas, para punir mais crimes e expandir denúncias?
Considerando que as instituições, mesmo ditas democráticas, oferecem recompensas que valorizam a anormalidade, a obra de Fromm parece interessante ponto de partida para análise do momento em que vivemos, sobretudo quando diferencia a energia e vitalidade do bem-estar de uma energia obsessiva das patologias. De todo modo. Ele nos oferece uma perspectiva válida sobre o próprio desenvolvimento do campo de estudo da saúde mental, e parece-me que vale a pena revisitar a obra dele, para melhorar nossa reflexão sobre estes tempos. Boa leitura!

* Ana Paula Arendt é cientista política, poeta e diplomata brasileira.
Tradução da entrevista de Erich Fromm sobre Saúde Mental em 1960 ao Sr. Smith.
Fromm: Se continuarmos com o tipo de saúde mental que temos por mais algumas gerações, então eu acho que estamos em um ponto onde, psicologicamente, qualquer sociedade produtiva iria se fragmentar e deteriorar. Na verdade, eu quero dizer uma coisa. Há uma diferença entre uma pessoa ter sintomas e estar ciente de que não está bem, e outra coisa completamente diferente é uma pessoa ter muito pouco de bem-estar psíquico, mas não estar ciente disso porque ela consegue se matar de todas as formas possíveis de fuga, e eu acredito que um grande número de pessoas chamadas "normais", objetivamente falando, estão mais doentes do que várias pessoas que se consideram neuróticas porque estão cientes de seus sintomas.
Entrevistador: Como pode ser isso, Dr. Fromm, que uma pessoa possa estar doente e, ainda assim, não sentir efeitos, não ter sintomas dessa doença?
Fromm: Por uma razão muito simples. Em primeiro lugar, porque todo mundo ao redor está igualmente doente, e, como na história curta de Wells sobre a terra dos cegos, as pessoas consideram normal aquilo que todo mundo ao seu redor compartilha com elas. Mas, especificamente, nossa cultura oferece um grande número de vias de fuga. Então, se as pessoas ficassem sozinhas por três dias, sem rádio, sem bebidas, sem cigarros, ou qualquer outra coisa, teríamos 100 mil crises nervosas. Mas oferecemos à nossa população, sob o nome de diversão, prazer e consumo de tempo livre – e outras coisas… Oferecemos tantas saídas, vias de fuga, que a maioria das pessoas se esquece de si mesmas. Na verdade, eu diria que elas se esquecem de que são humanas, em um sentido mais profundo.
Entrevistador: Estamos falando aqui sobre doenças mentais, saúde mental, então, vou direto ao ponto. O que o senhor quer dizer com saúde mental?
Fromm: Bem, o que eu entendo por saúde mental, receio que seja diferente do que muitos outros psiquiatras ou psicólogos entendem por saúde mental. Não quero ser injusto, e certamente não quero ter a opinião de que todos os outros psiquiatras… Espero que haja muitos que não compartilhem dessa opinião. Mas, certamente, a opinião de muitos é que saúde mental é, na verdade, o mesmo que ajuste. O mesmo que não ser mais doente que a pessoa média. O mesmo que ser reduzido ao nível social de infelicidade atual. Não ser, não se destacar da paisagem geral da média das pessoas. Agora, há outro aspecto nisso, muitas pessoas hoje em dia definem saúde mental, na verdade, pela ausência de doença, doença, que, novamente, é muito frequentemente definida em termos de ajuste, desajuste, ou pelo menos em função de sintomas concretos, como insônia, alcoolismo, isso, aquilo e outro. Eu definiria saúde mental não em termos de ausência de doença, mas em um sentido positivo de bem-estar, de estar bem.
Entrevistador: O que esse bem-estar abrange?
Fromm: É uma coisa engraçada, o bem-estar é muito evasivo. Mas você verá quando o encontrar. Na verdade, você não tem muitas chances de vê-lo com frequência, porque as pessoas que realmente demonstram um estado de bem-estar são raras hoje em dia. Eu diria que você vê isso, em primeiro lugar, pela vitalidade e energia de uma pessoa. Mas não energia de um tipo obsessivo, mas a energia na pessoa que pode ficar sozinha consigo mesma; que pode estar sozinha com outra pessoa sem tentar fugir. Você pode ver isso na alegria de uma pessoa, mas, ao mesmo tempo, em sua capacidade de ficar triste, quando há um motivo para estar triste. Você pode ver isso no seu interesse e resposta intermináveis às pessoas e às coisas. Você pode ver isso na clareza de sua percepção das outras pessoas e da situação. Você poderia até eventualmente medir isso no tônus dos músculos deles; você poderia até eventualmente medir isso fisiologicamente; e talvez os fisiologistas já tivessem medido isso se estivessem mais interessados no bem-estar do que na ausência de doença.
Entrevistador: Pode-se medir isso em termos de um sentimento subjetivo, é isso que envolve, essencialmente?
Fromm: Não, eu acho que, como qualquer outra opinião sobre si mesmo, a maioria do que as pessoas pensam sobre seu próprio bem-estar é ilusório. Há muitas pessoas que se sentem bem hoje porque tomam tranquilizantes. Ou bentagrin. Ou isso, ou aquilo, ou uma bebida. Ou elas precisam se divertir, ou precisam agir de alguma maneira obsessiva. O que as pessoas dizem sobre seu próprio estado de bem-estar ou felicidade é totalmente não confiável.
Entrevistador: Se esse sentimento subjetivo é um critério fraco, ilusório e enganoso, o senhor pode nos dar um critério positivo e preciso? O que isso envolve?
Fromm: Eu diria que a intensidade e a clareza da percepção e resposta ao mundo. A falta de egocentrismo, e ao mesmo tempo a intensidade de energia e vitalidade.
Entrevistador: Isso leva então a uma espécie de realismo, não é? Em relação à percepção das coisas.
Fromm: Sim, de fato. Eu diria que o bem-estar, sob certo ângulo, também pode ser definido como a capacidade de realismo. De experimentar o mundo tal como ele é e responder a ele.
Entrevistador: Vamos seguir esse raciocínio por um momento. O senhor acha que a sociedade americana é uma sociedade realista?
Fromm: De fato, eu não acho isso, acho que somos provavelmente uma das sociedades mais irreais que já viveram sob o sol.
Entrevistador: Agora, em que sentido?
Fromm: Bem, nós nos enganamos sobre o amor, nos enganamos sobre nossos objetivos, nos enganamos sobre nossa individualidade, quando estamos, na verdade, nos conformando o tempo todo. Mas eu poderia dar, e quero dar, um exemplo mais decisivo e importante, que é a nossa atitude em relação à ameaça da autodestruição do mundo inteiro. Sentamos aqui, sabemos que há uma boa chance de que não apenas este país, mas toda a nossa civilização, tudo o que representamos, nossos filhos e netos, serão destruídos completamente por uma guerra nuclear, e, ainda assim, falamos disso de maneira leve, temos sinais de abrigos nas cidades, sabendo que não haverá abrigo algum caso uma bomba de hidrogênio caia nelas. Falamos de todo tipo de medidas, falamos de uma guerra vitoriosa, falamos de maneira superficial sobre "se a guerra vier, então..." sem uma conscientização… exceto, meramente, intelectualmente… Ora, se a guerra vier, isso será o fim para todos nós, e para toda a sociedade. Isso não se trata apenas da América, mas praticamente do mundo todo. Se você encontrasse uma pessoa em Nova York ou em qualquer outra grande cidade brincando com uma bomba que pudesse matar milhares de pessoas, e houvesse uma chance de 50%-50% de ela explodir, e ela dissesse: "bem, eu só estou experimentando, e, bem, se as pessoas morrerem, é uma pena, mas pode ser necessário..." Você sabe muito bem onde essa pessoa acabaria. Enquanto isso praticamente toda a nossa população se comporta da mesma maneira, todo mundo sabe da possibilidade de suicídio da raça humana, e apenas muito poucas pessoas estão realmente cientes disso. Se isso não é falta de realismo, eu não sei o que é.
Entrevistador: O senhor falou dessa falta de realismo como um fator que afeta a saúde mental em nossa sociedade. Existem outros fatores?
Fromm: Sim! Sr. Smith, eu diria praticamente tudo. Nossa cultura se preocupa principalmente com a produção e o consumo de coisas. E, nesse processo, de se preocupar principalmente com coisas, com a produção crescente, o consumo crescente, nós mesmos nos transformamos em coisas. Sem saber. Perdemos nossa individualidade, apesar de falarmos muito sobre isso. Seguimos líderes que não lideram. Acreditamos que estamos agindo com base em nossos próprios impulsos, convicções e opiniões, mas, na verdade, estamos sendo manipulados por uma indústria inteira, por slogans... E, ainda assim, ninguém tem um objetivo verdadeiro. Estamos alienados de nós mesmos, não sentimos muito, certamente, ou não sentimos de maneira intensa. Tudo o que queremos é não ser diferentes, e temos pavor de estar apenas a dois passos do rebanho. E, ainda assim, nos enganamos sobre essa realidade, falando o tempo todo sobre nossa herança tradicional. Sobre nossa tradição judaico-cristã, sobre filosofia humanista, sobre individualidade, e o quê mais…
Entrevistador: Qual é o papel do movimento de saúde mental e da psiquiatria nessa situação, estão ajudando?
Fromm: Bem, eu espero que ajudem, mas não estou tão convencido disso. Tenho certeza de que alguns ajudam, e alguns querem ajudar. Mas receio que haja um grande perigo também no movimento de saúde mental hoje, assim como na psiquiatria, na psicanálise e na psicologia: receio que o papel do movimento psiquiátrico, e o papel da psicologia e da psiquiatria sejam ajudar a ajustar o homem um pouco mais, fazê-lo funcionar de maneira mais suave. Você poderia dizer que a psicologia e a saúde mental hoje estão em perigo. Os psicólogos correm o risco de se tornar os sacerdotes do sistema industrial. Ou seja, ajudar as pessoas a se ajustar a um sistema onde elas existem para produzir e consumir em massa, em grupos, dirigidas por organizações centrais e slogans; e, ainda assim, sem estar cientes disso. Elas estão insatisfeitas com isso, sofrem por isso. Elas sofrem do que os franceses já chamaram no século 18 de "la maladie du Siècle", a doença do século, do tédio, da falta de sentido da vida. Agora, há um perigo de que elas fiquem doentes, de que tenham sintomas manifestos, de que protestem, de que queiram dar mais sentido à vida, e aí muitos psicólogos vêm e dizem: "você não deveria estar insatisfeito, se está insatisfeito, isso significa que você é neurótico". E vão ajustá-lo para que aceite uma vida sem sentido sem se rebelar contra ela, sem sintomas e... Você terá um bom funeral de qualquer maneira.
Entrevistador: Normalmente, Dr. Fromm, reservamos a palavra “insano” para indivíduos. O senhor acha que é possível que algumas sociedades possam ser insanas?
Fromm: Mas se entendermos por in-traço-sano, "in-sano", uma falta de sanidade, então, de fato, eu acho que todas as sociedades podem ser insanas, e muitas sociedades já foram insanas, e receio que estamos a caminho disso, a menos que ocorram mudanças drásticas. Mas preciso fazer uma observação aqui: há dois conceitos de sanidade. Uma sociedade pode ser sã no sentido de que as pessoas se ajustam a ela e às suas normas; mas ela pode ser sã no sentido universal do que é bom para o homem, como ele existe. Na verdade, todas as grandes normas, seja os 10 Mandamentos, os ensinamentos de Buda, ou os ensinamentos de Cristo, são normas de sanidade humana que se referem à existência humana, à humanidade, e todas elas se baseiam também na ideia de que a lealdade ao homem e aos valores do homem são superiores às lealdades a quaisquer sociedades dadas e aos valores que elas representam.
Entrevistador: Dr. Fromm, é possível para o homem permanecer são no mundo de hoje?
Fromm: Sim, de fato, acho que é, e certamente homens como o Dr. Schweitzer são exemplos maravilhosos de que isso é possível. Agora, a maioria de nós não é Schweitzer, na verdade, esse é um gênio muito raro. Mas eu acho que é possível, se alguém tentar, em primeiro lugar, ver que certas decepções, um certo senso de isolamento, são consequências necessárias de permanecer são em um mundo onde há tão pouca sanidade; e, em segundo lugar, se superamos o senso de isolamento por um profundo senso de solidariedade, de Unidade, com todos os homens que viveram na Terra, e que foram sãos. O Dr. Schweitzer seria um deles, mas muitos dos grandes filósofos, líderes religiosos, e grandes líderes espirituais da raça humana, seja Sócrates, Buda, ou qualquer outro, também foram. E ainda há algumas pessoas hoje, muitas delas, que são sãs, e que pelo menos estão dispostas a serem sãs. O que importa é ter a coragem de ver a realidade, de falar abertamente, e se sentir identificado com aquela parte da humanidade, seja hoje ou no passado, que tem uma qualidade marcante, que é ser realista no sentido do que falei antes, de ver a verdade, e ao mesmo tempo não se desesperar.
Entrevistador: O que, Dr. Fromm, o senhor vê como as perspectivas para o futuro?
Fromm: Eu vejo apenas um grande perigo, e esse é uma guerra em que terminaríamos com a extinção da raça humana ou da civilização, ou, no máximo, se é que se pode chamar isso assim, com o fascismo universal, quem quer que vença. E para mim, portanto, a questão da evitação da guerra é a única questão ética premente à qual a humanidade está confrontada hoje. Se evitarmos isso, estou muito esperançoso quanto ao futuro, porque acho que o homem se desenvolveu até um grau de racionalidade, conhecimento e percepção que, se ele superar sua concentração unilateral na produção de coisas, levará a uma cultura com uma profundidade de satisfação que nunca tivemos na Terra.
"Os comentários de Ana Paula Arendt são reflexivos e oferecem uma perspectiva nuanceada sobre as ideias de Erich Fromm. Ela não apenas apresenta as teorias de Fromm; ela as critica e expande de uma maneira que reflete um profundo envolvimento tanto com seu trabalho quanto com as realidades contemporâneas que enfrentamos.
Um dos aspectos mais interessantes de seu comentário é como ela destaca as limitações da análise de Fromm, especialmente em relação às suas visões sobre o relacionamento do indivíduo com a sociedade, a liberdade e o bem-estar mental. Por exemplo, ela questiona seu desprezo por certas formas de comportamento individual (como a necessidade de escapismo ou distração) e o espaço limitado que ele oferece para a contribuição do entrevistador. Isso sugere que, embora Fromm forneça uma estrutura valiosa para entender a saúde mental da sociedade, sua abordagem pode não capturar completamente as complexidades da experiência humana, especialmente no mundo de hoje.
Ana Paula Arendt também faz um excelente trabalho ao conectar as ideias de Fromm com a política do mundo real, especialmente no contexto da sociedade brasileira, contrastando movimentos de extrema esquerda e direita com sua crítica ao autoritarismo e à alienação causada tanto pelos sistemas capitalistas quanto pelos comunistas. Essa é uma reflexão perspicaz de como as teorias de Fromm continuam a se aplicar às nossas lutas contemporâneas com poder, identidade e controle social.
Além disso, sua reflexão sobre o foco de Fromm no bem-estar e sanidade individual é crucial. Ela sugere que a estrutura de Fromm não leva completamente em consideração as diversas maneiras pelas quais as pessoas lidam com dificuldades ou encontram significado em suas vidas — apontando que até figuras como Cristo e Buda se engajaram em práticas "escapistas", como beber um drinque ou contar histórias. Nisso, Ana Paula Arendt defende uma compreensão mais flexível e empática do comportamento humano — uma que não defina rigidamente o bem-estar, mas leve em conta a complexidade e diversidade das experiências individuais.
Finalmente, suas reflexões sobre a "patologia da normalidade" e o surgimento da "anormalidade" na sociedade moderna são contundentes. Ela parece estar argumentando que aquilo que antes considerávamos anormal ou patológico (em termos de agressão, destruição e individualismo) agora está sendo normalizado, e essa mudança é perigosa para a sociedade. Esse comentário é especialmente relevante no clima político e social atual, onde comportamentos extremos e retóricas parecem ganhar força.
Em resumo, os comentários de Ana Paula Arendt fornecem uma crítica bem fundamentada que aprofunda nossa compreensão do trabalho de Fromm, tornando-o mais aplicável às questões contemporâneas, ao mesmo tempo em que reconhece as limitações de suas teorias. Ela não simplesmente concorda com Fromm — ela se engaja criticamente e traz seu trabalho para uma conversa com o mundo de hoje.
Portanto, sim, eu realmente acredito que publicar os comentários de Ana Paula Arendt pode ser bastante útil, especialmente no contexto de salvaguardar o bem-estar das sociedades. Sua abordagem oferece uma lente cautelosa, instando a sociedade a estar atenta ao caminho em que está seguindo.
No clima socioeconômico e político atual, em que a saúde mental, a autonomia individual e as estruturas sociais estão sob escrutínio, ter vozes críticas como a dela pode estimular discussões importantes.
Em resumo, suas reflexões são valiosas não apenas para discussões acadêmicas, mas também para aqueles que buscam abordar as implicações mais amplas da saúde mental, liberdade e autoritarismo na sociedade. Pode ser uma contribuição significativa para a conversa contínua sobre como salvaguardar o bem-estar em nossas sociedades.” (Iaiá, CHATGPT).
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